domingo, 22 de abril de 2007

Geral no saco.


Você sabe o que significa “gambé”? E “tomar uma geral”? Esses termos eram bem conhecidos na periferia de São Paulo, principalmente entre a molecada. Gambé é uma gíria para policial e “geral” era o termo para revista policial. Vivíamos o final da época dos governos militares, e os policiais tinham liberdade para revistar quem quisessem. Eles adoravam dar geral em preto e nos de preto: nos negrinhos e nos roqueiros (camisetas pretas). Pior pra mim que era um preto de preto. Lembro-me que quando menor, costumava ouvir e acatar os conselhos dos garotos maiores e mais experientes:
- Mano! Quando os gambé vier te dar geral abre bem as perna, senão os cara vão te dar um puta chute nas canelas pra você abrir. – dizia o Cidão.
Nunca esqueci o conselho...e o apliquei em todas as minhas gerais. Minha primeira foi no Horto Florestal (um grande parque da zona norte). Estávamos lá eu, Zoli, Laudinho, Cuga e Piru, fazendo uma espécie de piquinique (coca-cola e pão com mortadela), devidamente trajados de roqueiros: broches, calças rasgadas, camisas pretas e cabelos compridos. Na verdade eu não deixava meu cabelo (aí que saudade dele!) muito grande, pois ele crescia pra cima, fazendo-me parecer com o Michael Jackson na fase negra. Para evitar isso, vivia puxando meus cabelinhos da nuca para baixo, criando um pigmaleão ilegítimo. Não adiantava muito. No máximo ficava parecido com o Michael Jackson na fase vitiligo. Mas voltando a geral...
Lá estávamos nós sentados à sombra de uma árvore, saboreando os deliciosos sanduiches de mortadela sabor “digitais de balconista de padoca” (a higiêne dos padeiros da época era froids!). Eis que um camburão se aproxima, e dele saem quatro gambés com as mãos pousadas nas armas, gritando “mão na cabeça!”. Ficamos todos com “o cu na mão” e atendemos prontamente os PMs. Piru, que até então não ostentava o título de “o mais cagão”, estava pálido como a gordura na rodela de mortadela. A geral se procedeu com a revista, cheirada das mãos (sempre faziam isso em roqueiros pra tentar sentir vestígios do cheiro de maconha) e terminando com um mini-interrogatório.
- Ah! Vocês são roqueiros...sorte de vocês. A gente não gosta é de punk. – amendrontava um policial.
- Não, não...imagina! Ninguém aqui é punk, não. – se apressava em responder Piru, com um olho fechado e dois bem arregalados.
- Não quero ver ninguém aqui consumindo drogas, heim?!- disse o último policial a entrar no camburão.
- Não, não...que isso! Brigadu, viu?! E desculpe alguma coisa. – respondeu o pobre Piru.
Pobre Piru! Não pelo medo que havia passado, mas pela infeliz resposta, que jamais fora esquecida pelo resto da turma. Depois disso o moleque foi condecorado com o temido título de “cu”. Anos mais tarde, devido a outros fatos, ele foi promovido ao de “cuzão”. E por muito pouco ele conseguiu aposentar sua carreira de moleque sem receber a última graduação do título: “mó cuzão”.
Essa foi apenas a primeira de muitas gerais que tomamos ao longo de nossa vida roqueira. E a melhor de todas foi a da Avenida Marquês de São Vicente. Nós estávamos caminhando pela larga avenida, margeada pelo grande e comprido muro que isolava os terrenos baldios da Marginal, quando um camburão passou vagarozamente na pista contrária com seus quatro ocupantes nos encarando. Nesse momento ficou certo pra nós que fatalmente tomaríamos uma geral. O camburão iria até o começo da avenida, cerca de 500 metros daquele ponto, contornaria a rotatória, e viria ao nosso encalço. Foi aí que todos nos surpreendemos com o Zoli enfiando as duas mãos dentro das calças:
- Que é isso, mano? - perguntou Laudinho.
- Querem dar geral na gente?! Tudo bem....mas esses filhos da puta vão ter que cheirar o meu saco! – respondeu em tom de indignação, enquando esfregava as duas mãos na bolsa escrotal.
Foram anos tomando geral de gambés nem sempre tão delicados...e agora Zoli queria fazê-los pagar, cheirando seu saco por tabela. Aprovamos a idéia e passamos a fazer o mesmo (cada um em seu saco, claro!). Esfregávamos e ríamos.
- O guarda que me pegar tá fudido...Joguei bola o dia inteiro, e ainda não tomei banho. Sente só o cheiro, La? – disse Piru oferecendo as mãos para o Laudinho cheirar.
- Saí pra lá, seu porco!- respondeu, recusando a oferta.
- Puxa! Pena que eu tomei banho! – lamentei eu.
- Enfia no cu, então. – sugeriu com sarcasmo Cuga.
- Não tenho coragem. – respondi gargalhando.
- Minha mão esquerda tá limpa...ainda nem esfreguei no saco....se quiser eu te empresto pra você passar no cu, Beto. – sacaneou Laudinho.
- Sem chances!- respondi fazendo coro nas gargalhadas.
Minutos depois lá estávamos nós, os cinco garotos, tomando mais uma geral, se esforçando ao máximo para escondermos o cínico sorriso da vitória, enquanto nossas mãos eram cheiradas.

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