quarta-feira, 14 de novembro de 2007

Discípulos do Vento

A infância na periferia de São Paulo naquele meado da década de 70 exigia muita imaginação da molecada. Praticávamos a reciclagem de materiais (tão cultuada e necessária nos dias atuais) sem o saber. Assim, pneus velhos eram rodados pelas ruas como se fossem carros, vassouras descabeladas viravam cavalos ou espadas, meias rasgadas eram entrelaçadas formando bolas, latinhas vazias de extrato de tomate e cordões rascunhavam os celulares do presente, folhas de papel rasgavam os céus do Bairro e as correntezas dos esgotos, na forma de aviões e barquinhos. O descarte dos adultos era ouro nas mãos e mentes engenhosas da molecada.

Meus cadernos dos anos escolares anteriores eram o hangar de onde decolavam maravilhosos planadores. Eu e meu amigo Mitsu passávamos tardes inteiras arremessando os projéteis de celulose por sobre telhados e terrenos baldios. Não se tratavam de aviõezinhos genéricos. Eram planadores feitos na mais perfeita tecnologia origâmica japonesa. Eu tinha um prazer especial em arrancar as folhas do caderno de Física. Nunca gostei da disciplina...pelo menos da maneira como era ensinada naqueles anos cartesianos. Havia muitas leis, muito cálculo, muita fórmula, muitas limitações. As aulas de Física causavam na molecada uma espécie de desencantamento do mundo. Superhomem, Ultraseven, Superdinamo, nenhum herói voaria mais depois daquelas aulas do professor Antonio. E o pior é que ele parecia ter um certo prazer em apagar o brilho quântico e inocente dos nossos olhos: “Isso não existe.”, “Isso é impossível.”, “Isso só acontece na televisão.” Talvez por isso minha geração tenha formado mais engenheiros que heróis. Eu mesmo, já há algum tempo, havia me aposentado, devolvendo minha capa de voar à gaveta das toalhas.

Minha vingança vinha na forma aerodinâmica dos aviõezinhos das folhas do caderno de Física. Fazia-os com mais vontade, arremessava-os com mais força, admirava suas trajetórias triunfantes, até que a Lei da Gravidade do professor Antonio os obrigassem a retornar ao solo. Mas eu não desistia... procurava sempre algum buraco na Lei.

Naquela quinta feira nublada e ventosa, por volta das três da tarde, o micro tráfego aéreo da Vila Célia estava intenso. Do Aeroporto Internacional da Calçada da Rua da Casa do Mistu decolavam planadores a cada meio minuto. Finalmente eu iria transformar a última folha do caderno de desencanto numa aeronave derradeira. Caprichei na simetria da dobradura da folha, calculei a direção do vento, articulei a musculatura do braço lançador, e arremessei com força. Subiu como um foguete, atingindo o limite da trajetória ascendente numa altura impressionante, e começou a planar lentamente. Houve um momento em que o avião parecia estar parado. Ficamos os dois na calçada, observando admirados a altura e a estabilidade do vôo, até que uma súbita abertura nas nuvens despejou um feixe de luminosidade solar, ofuscando nossa visão. O fenômeno teria durado uns poucos segundos, mas quando retornamos nossos olhares para o céu, não encontramos mais o aviãozinho. Estranhamos o desaparecimento pois a altura em que se encontrava permitiria mais uns 10 segundos de vôo até atingir o chão. Começamos então a procurá-lo por entre o mato baixo do terreno baldio e nos quintais das casas vizinhas. Nada encontrando, resolvemos subir o morro adjacente ao terreno baldio até atingir a rua alta. De lá podíamos observar os telhados das casas onde o planador poderia ter feito um pouso forçado. Nada. O avião parecia ter sumido no ar!

Cansados da busca sentamos na calçada, compartilhando a mistura inusitada de pensamentos-sentimenos (surpresa, excitação, frustração). O que teria acontecido? Logo surgiram as primeiras teorias: ramal de um buraco negro, fenda espaço-temporal, túnel do tempo... Enfim, nada que o professor Antonio aprovasse. Passamos o resto da tarde ali na calçada, alternando a elaboração de teorias com alguma busca tardia e infrutífera pelo quarteirão. O avião realmente desaparecera.

Às vezes tenho a sensação que aquele avião tinha como passageiro a minha mente, pois fiquei com a cabeça nas nuvens. Passei a adorar o vento e os dias nublados. E não raramente me pego observando, introspectivo, o céu e seus tufos de algodão. Sei que não sou o único que age assim. Muitas pessoas têm esse hábito, porém impulsionados por motivos bem diferentes. Uns olham o horizonte à procura de meteoros e cometas. Outros anseiam (ou temem) a aparição de discos voadores. Muitos dirigem seus olhares para o firmamento ansiando (ou temendo) a (re) aparição do Arauto Divino por entre as nuvens, anunciando o final dos tempos e fazendo um recall do povo Dele. Minha motivação é mais singela, porém autêntica. Olho os céus à procura do meu avião de papel.

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Meu filho Inácio de 11 meses já engatinha por toda a casa e tem uma atração especial pela cozinha, o que nos obrigou a instalar uma porta-grade para impedí-lo de se aventurar por aquele mundo cheio de perigos e mistérios. Dias destes eu resolvi deixar a portinhola aberta e verificar o comportamento do infante. Engatinhou rápida e certeiramente até o armário da pia. Escalou os puxadores, conseguindo ficar em pé. Vagarosamente (pela limitação de seu equilíbrio e não por sua ansiedade) puxou a terceira gaveta retirando uma toalha. Nessa altura já se mantinha apoiado somente com uma das mãos segurando o puxador num esforço hercúleo, enquanto voltava o olhar entusiasmado para o pai-babão. E finalmente num ato heróico largou o puxador e tentou empreender aquele que seria o primeiro passo do resto de sua vida, vindo em minha direção. Rapidamente amparei-o, já quando seu corpo se precipitava na queda. Sentamos os dois no chão da cozinha, e depois de um sorriso de dente de leite, ele me ofereceu a toalha. Naquele momento um vento repentino oriundo da área de serviço passou a soprar no recinto. Inácio fechou os olhos sem apagar o sorriso, parecendo estar saboreando a delícia de uma carícia invisível. Não tive dúvida... vesti novamente a minha capa, e saímos os dois, voando pela sala.

Naquele dia, para azar do mercado e sorte do Planeta, o futuro perdia mais um engenheiro.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

O Mago dos Bonecos.


Duvido que haja alguma pessoa que, tendo freqüentado a noite paulistana em seus pontos mais tradicionais (Bixiga, Vila Madalena, região da Paulista), não tenha visto ou até mesmo comprado um dos bonecos daquele senhor barbudinho, de fala mansa, sorriso fraterno e aparência nórdica. O Senhor dos Bonecos se tornou uma espécie de lenda urbana.


Tive o prazer de conhecer pessoalmente o Seu Armando. Era pai de dois dos guris da turma do bairro. Na época, começo dos anos 80, ele circulava numa mobilete ruidosa pelos quatro cantos da Casa Verde. Ganhou o apelido jocoso da molecada de Frango da Sadia devido ao capacete branco antigo, com uma enorme viseira amarelada. Quando estava a paisana, recebia o honroso apelido de Bill Ward, baterista barbudo do Black Sabbath. Não me recordo muito bem das conversas que às vezes tínhamos com ele, mas ainda lembro que, apesar do tom e velocidade de voz demasiadamente cansativos para nós adolescentes, ouvíamos atentamente suas histórias. Era o próprio Flautista de Hamelin nos hipnotizando com a melodia de suas idéias heterodoxas sobre a política, o capitalismo e o futuro. Os ratos? Estavam no governo, diferentemente dos tempos atuais, nos quais eles se camuflam de presidentes de grandes corporações.


Creio que já nessa época produzia artesanalmente os bonequinhos de pano que vendia pela cidade. Era mais um artesão que comerciante. E o artesanato era antes um ato de resistência que uma alternativa aos empregos formais que ainda não rareavam no inicio dessa década. Com o derradeiro silenciar da mobilete passou utilizar bicicleta. Pedalava alguns quilômetros até as regiões de barzinhos que mantinham mesinhas pelas calçadas. Seguia de mesa em mesa, oferecendo os bonecos da maneira menos invasiva possível, puxando uma conversa amiga, patrocinada pelo sorriso bonachão e pela voz branda e calma. Com o tempo passou a ser conhecido e reconhecido pelos freqüentadores da noite paulistana. Não raramente era convidado a sentar à mesa, onde sua articulação filosófica ganhava a atenção dos ouvintes. Era interessante ver rapazes de gravatas afrouxadas em happy hour (funcionários dos grandes ratos), punks, hippies tardios, pretensos intelectuais, enfim, a mais variada fauna social, deixando a cerveja esquentar no copo para ouvir o Sábio dos Bonecos.


Tive um reencontro histórico com Rei dos Bonecos no ano de 1996. Nessa época cursava a faculdade de História. Adorava passar tardes inteiras perdido nos imensos corredores de estantes da biblioteca. Encontrando algum livro interessante, lia-o ali mesmo sentado no chão. Foi numa dessas tardes que encontrei uma interessante compilação de fabilaux (espécie de crônica medieval originada da tradição oral que retratava a vida cotidiana urbana da época). Os vários textos transcritos estavam versados simultaneamente em francês, inglês e espanhol, seguidos de notas dos historiadores Charles Lenglois e Jacques Castenau. Passei rapidamente os olhos pelas narrativas e escolhi para ler uma que se chamava As Três Damas de Paris (datada do século XIV e atribuída a um trovador de nome Watriquet de Couvin). Três conhecidas e comportadas mulheres entram numa taverna e começam a beber até perderem a compostura. Eis que surge um artesão de bonecos de palha (!) tentando convencê-las a encerrar a bebericagem. Sendo a princípio ridicularizado pelas senhoras, vai conseguindo aos poucos, com sua voz calma e seus argumentos demovê-las do ato vergonhoso. Nas notas, com o argumento de que não se deve acreditar cegamente nas informações dos cronistas, Lenglois critica os intelectuais franceses que atribuíram à figura inusitada do artesão de bonecos um provável dissidente das revoltas camponesas causadas pelo aumento da exploração dos senhores feudais sobre a diminuta população dos servos sobreviventes da Peste Negra. Baita viagem! Pra mim era o Armandão.


No começo de julho deste ano de 2007 recebi a triste notícia da morte do Seu Armando. E pesquisando na internet encontrei algumas informações curiosas sobre a pessoa dele. O Mestre dos Bonecos era formado em Engenharia Naval e teria sido professor na Universidade de São Paulo, ofício que abandonou durante o regime militar. Na verdade, melhor seria dizer que abandonara o cargo e não o ofício, já que muito aprendemos com ele. Na verdade, melhor seria dizer que não morreu, apenas devolveu o corpo de que se servira, já que as lendas não morrem, se ratificam. Em verdade, melhor seria dizer que ele não oferecia bonecos aos clientes ruidosos dos barzinhos... Era exatamente o contrário... Os bonecos é que ofereciam o Artesão/Professor/Flautista.


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Daqui a muitos anos, quando meu filho tiver capacidade de ler e entender esta crônica, me perguntará se o Homem dos Bonecos realmente existiu e se eu realmente o conhecera. Serei sincero e responderei afirmativamente, mas o advertirei de que não se deve acreditar cegamente nas palavras de um cronista.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Homem não chora.

Sábado de inverno de 1989, onze e meia da noite, Lika se despede de todos, saindo do boteco:
- Tchau Conrado. Tchau Zoly. Tchau Betinho. Tchau Piru.
Respondemos todos quase em coro, a exceção do Piru que disse um “tchau” mais atrasado e abafado. O desabafo veio quinze minutos depois, quando estávamos só eu e ele sentados na calçada:
- Cê sabe que eu tava ficando com a Lika, né?
Respondi afirmativamente.
- Pô, cara, é barra! Eu tava gostando dela pra caramba. Não entendo o porquê das coisas terminarem assim...
Percebendo que ele precisava falar, apenas contemporizei:
- É complicado...
- Sabe, Beto, aquela musica do Kid Abelha que diz assim: “o nosso amor se transformou em bom dia”?! - cantarolou timidamente o pedaço da letra.
- Sei, sei.- respondi, percebendo que pelo nível da citação a coisa era grave.
- Pois é... vendo ela sair assim, se despedindo geral... me lembrei dessa música.
...

O Piru era um cara boa pinta, do tipo fortinho, cabelos compridos de roqueiro. Não era de namorar muito tempo, preferia galinhar, valendo-se inclusive da força de seu sobrenome (Casanova). Nunca poderia imaginá-lo fisgado pela armadilha da paixão. E seria cômico se não fosse trágico. Nós, roqueiros de 18 a 22 anos, que já havíamos enfrentado de tudo: punks, carecas do subúrbio, polícia, trombadinhas... nunca estivemos preparados para a paixão. Nem havia músicas em nosso repertório para isso. Eu, que até então achava que era o único da turma que sofria com paixões platônicas e difíceis, recorria a High and Low do Aha, Girl I´m gonna miss you do Milli Vanilli, e mais algumas outras que o tempo e a vergonha (para a biografia de um roqueiro) me fizeram esquecer.

Diferentemente do que acontecia com as meninas, entre garotos não era comum conversas sobre sentimentos. Ocorriam curtos e genéricos relatos sobre amassos e sexo... mas paixão não. Enquanto as garotas tinham as revistas (Capricho, Nova, etc), os livros de auto-ajuda emocional, e as amigas para auxiliarem sua educação sentimental, nós, pobres moleques, só podíamos contar com a solidão escura do quarto para revelarmos, em lágrimas esparsas, aquela tão incômoda sensação de aperto no coração. E o pior de tudo, cada qual achando que era o único bobão da turma que chorava escondido.

Homem não chora”. Não conheço a autoria da frase que criou um dos maiores e mais nefastos tabus da adolescência e juventude de nossa geração, cujas conseqüências se fazem presentes ainda hoje. Esse tabu tornou o choro proibitivo aos rapazes desde os 15 anos de idade, pois era considerado sinal de covardia. Tornou também a paixão um sentimento inconfessável, pois esta era entendida como sinal de fragilidade. Não obstante todos os garotos se apaixonavam (perdida e discretamente) e choravam (freqüente e veladamente).

Para além de transformações anatômicas ou hormonais, o grande batismo da adolescência masculina é a eclosão da primeira lágrima de paixão. E as protagonistas desta são, invariavelmente, a colega mais bonita da escola, a menina da esquina, a prima, a irmã do melhor amigo, a namorada do ex-melhor amigo. Paixões tão inconfessáveis quanto as conseqüentes lágrimas, e o afrouxamento qualitativo do gosto musical. E o tempo passa, secam-se as lágrimas, esquecem-se as músicas, substituem-se as paixões, acumulam-se as cicatrizes.

Em parte pelo tabu, em parte pelo desconforto de lidar com sentimentos inebriantes, desde as primeiras cicatrizes sentimentais, os garotos aprendem a fugir das paixões. Ou pelo menos tentam. Disso provavelmente resulta a evidente falta de maturidade emocional que assola a maioria dos homens quando comparada às mulheres da mesma idade. As garotas não fugiam das paixões... ao contrário, viciavam-se nelas. Sofriam, conversavam-se entre si, elaboravam planos e sonhos, frustravam-se, consolavam-se, choravam a luz do dia... enfim, tinham a oportunidade de vivenciar os sentimentos em sua plenitude. E com isso amadureciam. Já os pobres moleques preferiam a volubilidade estratégica. Evitavam falar em compromisso, namoro, sentimentos. Beijavam, transavam, e fugiam ao primeiro sinal de aperto no coração, buscando uma nova conquista, e perdendo a maior de todas, a conquista do auto-conhecimento emocional. Creio que isso explica em parte uma certa dificuldade que temos, nós garotos crescidos, de estabelecer vínculos mais duradouros.

Não obstante, as paixões acabavam acontecendo por acidente, até porque não inventaram preservativos para o coração. Digo “acidente” porque a intenção dos guris era, a principio, tentar deixar as garotas apaixonadas. Isso favorecia o currículo do moleque em relação aos seus pares e às demais gurias. Em caso de “acidente” tentava-se não demonstrar, o que era inútil, pois os amigos percebiam facilmente o olhar ora abobalhado, ora preocupado, ora vigilante da “vítima”. E se já não fossem deveras desconfortáveis os sintomas da paixão, ainda surgiam as chacotas da turma. Com o avançar dos anos, as chacotas iam sendo substituídas pelo sentimento de piedade, o que também não deixava de ser um tanto desconfortável. Por isso, somente nos casos mais agudos é que as confissões ultrapassavam os limites das paredes do quarto.
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Sete copos de cerveja depois, eu já estava quase me solidarizando ao Piru em suas confissões, contando sobre minha sofrida paixão pela Marley... mas não contei. Esse segredo o Piru só virá a saber quando ler essa crônica, dezoito anos depois.
Garotos, pobres garotos!

sábado, 2 de junho de 2007

O Uniforme Azul Marinho.

Os anos da escola são como o vinho... quanto mais o tempo passa, mais especiais eles se tornam. Lembro do primeiro dia de aula. A mãe estava um pouco preocupada, pois eu era muito tímido e dependente. Acabamos por chegar atrasados ao portão da escola Dona Angelina Maffei Vita naquela manhã fria de 1974. No pátio externo adjacente ao imenso salão do refeitório, a molecada de uniforme azul marinho se amontoava em filas, tentando seguir as orientações berradas pelos auxiliares. Eu ostentava um crachá enorme contendo meu nome, a série e o nome da professora (Dona Regina). Não fiquei muito contente com a fila que me arrumaram, pois na ordenação por altura ficara em terceiro na fila de uns trinta guris... e posteriormente fui trocado para o quarto lugar, depois da conferência feita pela Diretora. Nesses anos de governos militares a ordem e a disciplina eram os grandes pilares das escolas municipais. Os uniformes eram impecáveis e obrigatórios (vi algumas vezes colegas serem impedidos de entrar na escola por não estarem devidamente trajados): blusas azul marinho cobrindo a camisa branca (cujo bolso exibia o símbolo da escola), calças de tergal também azul marinho, meias brancas e sapatos pretos. Os que não estivessem em condições de providenciar o uniforme completo, recebiam-no por meio de recursos adquiridos pela Associação de Pais e Mestres. No avançar dos anos, passaram a aceitar variações de calçados (Conga ou Bamba azul marinho, Kichute).

O primeiro dia de aula transcorreu sem problemas para mim, até porque já nessa época eu era apaixonado por loiras, e a Dona Regina, além da cabeleira dourada, era a professora mais bonita da escola. Era um prazer descomunal receber ordens e orientações da gatona. Guardo claramente na lembrança a primeira lição de casa: completar no pequeno caderno de brochura uma seqüência de letras “as” emendadas umas as outras, preenchendo duas folhas. Chorei compulsivamente pela imperfeição dos primeiros “as” da minha vida. A mão ainda não me obedecia direito e o braço começou a doer um pouco na virada para a segunda folha... Ao final da lição, chorei mais um pouco, refiz as letras mais imperfeitas, e ganhei da mãe um copo de Qsuco de uva com bastante açúcar. Seguiam os dias, as lições de casa, as letras e os choros. O refresco de uva é que não seguiu muito...só durou até o “i”. E minha frustração só foi superada quando ganhei o primeiro elogio da professora pela grafia perfeita do “u”.

Como era muito tímido, as amizades na classe só foram surgir lá pelas consoantes (letras “c’ ou “d”). E devido ao gênio bom, herança da mineirice da mãe e da mão pesada do pai, cheguei ao “z’ sem nenhuma briga. Um bom momento pra fazer amizades era no recreio. Formávamos filas imensas e ruidosas em frente ao balcão onde se distribuíam a merenda: sopa, leite de soja, leite com chocolate, Glut (bebida tipo Toddy, mas numa embalagem piramidal), bolachas, bolos (que às vezes serviam de munição pra guerrilhas), cachorros quentes (com salsicha de soja). Nessa época, quase todos os amigos tinham apelidos: Marcelo Bola, Jorge Beiçola, Magalinha, Jadeu, Visconde de Sabugosa (Emílio), Testa de bater bife (eu), Orelhuuudo (eu quando cortava o cabelo), Lancha (eu quando cismavam com o tamanho do meu pé), Cabelo de Bombril (eu quando não cortava o cabelo).

Alguns professores também são inesquecíveis. Na quarta série tínhamos Dona Zilá e seu nariz enorme (diziam que era realmente parente do Juca Chaves), que nos obrigava a responder semanalmente mais de quarenta questões de Geografia. Professor Militino nos fazia ler um livro por mês, e cobrava-nos que cada um contasse um capítulo do mesmo. Watanabe de Matemática, um senhor japonês maluquinho que fazia umas caretas hilárias todas as vezes que algum aluno errava uma equação no quadro negro. Dona Joana (Português da quinta série) fazia chamada aleatória pelo nome na lista de presença para responder questões do caderno de exercícios. Os que não tinham respondido todas as questões rezavam para que a vez deles não chegasse em alguma questão deixada sem resposta. Já nas séries finais surgiram as professoras de formas mais atraentes, juntamente com o despertar de nossos hormônios. A sala toda parava quando a Dona Gláucia cruzava as pernas. E a maravilhosa Dona Zilda sempre vinha de calças jeans, apertadíssimas.

E só havia uma mulher que eu temia mais que a Diretora Dona Dalva: a ‘Loira do Banheiro". Era a história de uma mulher fantasma que perambulava pelos banheiros das escolas. Sempre ouvia conversas sobre as aparições e a aparência dela. Mulher alta, vestindo avental branco, e com algodões tapando os olhos e a boca. Fiquei anos evitando ir ao banheiro da escola sozinho. Segurava a vontade até o final da aula, pois não me animava a convidar algum amiguinho a me acompanhar (pegaria mal). Numa das poucas vezes que fui, movido por uma dor de barriga tremenda, quase morri de medo e de... Estava eu sentadinho e fechado no box, tentando me concentrar num grupo bastante específico de músculos, quando ouvi passos de alguém entrando no banheiro. Pelo vão inferior da porta do box observei assustado que se tratavam de pés de mulher. Caminhou até uma extremidade do banheiro e voltou até a porta do meu box, tentando abri-la. Eu teria gritado de pânico se o ar que me restava no corpo não tivesse preferido uma saída mais rápida e não menos ruidosa. Depois de um Pai Nosso em tempo recorde, abri os olhos e percebi que os pés haviam sumido. Certifiquei-me, então, de que não havia mais ninguém no banheiro, gastei quase todo o Primavera do box, lavei as mãos e saí do recinto num passo apertado, dando de cara com a Maria, aguardando-me na saída:

- Você ta mau, heim menino! – exclamou a servente, emoldurando um sorriso satírico.

Os amigos dos últimos anos também foram especiais. Marcelo Bola sempre tinha assunto sobre a banda Queen e sobre os filmes da Sala Especial (horário das onze da noite na TV Record no qual eram exibidos pornochanchadas). Dulcemar e seu decote maravilhoso. Biguá, um profundo conhecedor de rock em geral. Carla, linda e (l)rouquinha. Alberto e sua compulsividade por leitura (de bula de remédio a Alexandre Dumas). Miriam de Fátima Teodoro, a ruiva que fazia meu coração disparar (mais do que conseguia a Loira do Banheiro). E de muitos deles herdei algo mais do que o patrimônio afetivo. Considero Matilde Mastrangi e Helena Ramos as duas atrizes mais saborosas do Cinema Brasileiro. E ouvi a música Friends will be friends do Queen durante todo o tempo em que escrevi esta crônica. Ao longo de minha adolescência e juventude o Rock se tornara um estilo de vida. Da Miriam de Fátima herdei a atração por mulheres narigudas (antes da plástica minha esposa era o próprio Luciano Huck de saias).

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Recentemente encontrei alguns dos amigos de escola pelo Orkut. Aproveitamos para por os assuntos do passado em dia. E já estamos arquitetando um possível encontro de turma para o fim do ano. Será bom para nos desarmarmos de nossa simulação de adultos. Debaixo da pele, ainda uso um uniforme azul marinho.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Troca-troca e traição.

Por esses dias estive revendo minha biografia sexual e notei que além de tê-la começado tardiamente, possuía poucas páginas na década de 80. As razões para isso são bastante prosaicas.

No final dos anos 70 e inicio dos 80 havia três tipos básicos de iniciação sexual masculina. Uma delas se dava numa brincadeira que em São Paulo se chamava troca-troca. Creio que o nome da brincadeira seja auto-explicativo. Outra modalidade era a Rua Augusta (imagino que todas as grandes cidades têm as suas “Ruas Augustas”. Havia (e ainda há) na parte não-nobre da rua dezenas de casas de massagens, relax for men, que ganhavam nomes carinhosos da molecada como Tia Cris, Tia Olga, etc. Dia de pagamento de Office-boy era fila no Bradescão durante o dia, e fila na Tia Olga à noite. A terceira modalidade era mais comum nas cidades de interior, onde galinhas, cabras e até éguas se tornavam vitimas do verdadeiro sexo animal. O fato de eu não ter participado de nenhuma dessas modalidades explica em parte meu atraso na iniciação sexual. E de certa forma não me sinto inferiorizado, pois há muito garanhão de 40 anos que possui uma ficha corrida gigantesca de Patrícias, Giseles, Danielas... mas que começou com um Juninho, Waleska, Mimosa.

Outra peculiaridade na minha carreira sexual teria sido a maneira de vivencia-la. Vivemos numa época onde as opções sexuais ganharam novas classificações. Além das tradicionais hetero e homossexual, temos agora, bissexual, pansexual, transexual, metrossexual, emocore, etc. Eu faço parte de uma categoria ainda não devidamente catalogada: heterossexual passivo.

Já no tempo de ginásio eu me achava diferente. Era ruim de bola e não gostava de futebol. E isso não é pouca coisa num país onde a cultura futebolística é um fator de agregação social. Lembro-me de preencher uma ficha numa empresa para a vaga de Office-boy Maior. O entrevistador, preocupado com a performance do time da empresa, perguntou-me se eu era bom de bola. Até hoje acho que não fiquei com a vaga porque fui sincero. Na fase de bancário a coisa não era muito diferente. Nas rodinhas masculinas que se formavam no intervalo de quinze minutos do departamento o assunto era sempre futebol. Eu ficava somente ouvindo, sem ter o que opinar. Sabia que todos me achavam estranho pela falta de assunto, e pelo fato de eu não torcer por nenhum time. Não suportando o preconceito, comecei a mentir dizendo que era corintiano, mas era facilmente desmascarado quando me perguntavam sobre o time. Eu até que acertava o nome de alguns jogadores: Sócrates, Zenon, Zé Maria, Serginho, mas não passava muito disso. Daí o questionário avançava sobre o resultado do último jogo, quem marcou os gols...aí a casa caía. E essa alienação futebolística vêm desde meu tempo de guri. Mal terminava o Globo Cor Especial eu trocava de canal para a TV Tupi para assistir ao seriado “Ben, o urso amigo”. Com isso, deixava de assistir ao Globo Esporte.

Outra bizarrice minha era não gostar de carros. Nos anos 80 o carro era para o jovem uma complementação ao seu falo. Todos desejavam os carrões: Maverick V8, Monza, Puma, Gol GTI vermelho, Scort conversível. Eu achava que não precisava de complementação, mas de fato isso dificultava um pouco a identificação com os guris e impossibilitava a relação com as meninas fisicamente mais interessantes. Cena muito comum acontecia nos sábados de manhãs ensolaradas: nas garagens de portas abertas ou nas calçadas adjuntas às respectivas casas, os gurizões lavando seus carros. As portas do carro abertas, os tapetes secando nos muros, as ceras, o capricho, e o toca-fita rolando George Benson no último volume. É claro que juntava a molecada toda em volta. Eu só ficava pelo George Benson. Outra cena bem típica se dava nas filas dos rodízios de pizza do Grupo Sergio, nas filas do cinema, onde se podia observar os rapazes felizes ostentando numa das mãos a mão de uma linda garotinha, na outra, o toca-fita de gaveta preso ao equalizador e ao amplificador Tojo. E eu ali...sem carro, sem namorada...mas pelo menos com noventa centavos para encerrar a noite tomando um sorvete de casquinha do Macdonalds.

Outra coisa que ajudou a esvaziar minha biografia sexual foi o fato de não saber dançar. Diferentemente das mulheres, nenhum homem saí à noite apenas para ir dançar. A dança para eles é meramente parte do ritual de acasalamento, algo para atrair as fêmeas. E funcionava. Mas eu detestava aquele tipo de música, feita exclusivamente para dançar. Gostava da música de ouvir e sentir, cujo ato da dança não era sua finalidade, mas tão-somente uma manifestação ocasional e espontânea de sensibilidade...aquele tipo de música que se dança de olhos fechados. Mas...eu acabava indo a algumas danceterias, para acompanhar meus amigos. Nunca conseguia conhecer alguma garota, mas já voltava pra casa feliz quando tocavam o George Benson.

Heterossexual passivo. O termo passivo vem de não saber/querer/tentar paquerar as garotas (pelo menos com as cantadas tradicionais). Sempre fui muito tímido e consciente de minhas limitações estéticas. Mas mesmo que tivesse a cara-de-pau e a cara linda não conseguia me imaginar passando aquelas cantadas baratas de danceterias e barzinhos. Resignava-me imaginado que alguma garota inteligente, com a cara linda (e de pau), me desse algum sinal, alguma abertura, ou até mesmo alguma cantada. A única cantada que recebi em toda a década de 80 não foi muito agradável. Eu trabalhava de digitador na Prodesp no período da noite. A cada 50 minutos de trabalho, descansávamos 10. Nesse intervalo a turma batia papo, discutia futebol, se cantava. E eu no meu canto ouvindo meu walkmanzinho do Paraguai, sintonzado no programa São Paulo By Nigth. Depois de algumas semanas uma pessoa começou a puxar assunto comigo. Mais algumas semanas ela já me acompanhava em conversas animadas até perto do ponto de ônibus. Numa dessas conversas a pessoa me cantou. Eu desconversei. Noutro dia me assediou com mais ênfase. Daí fui obrigado a envergar um discurso sobre respeito, amizades e limites. Foi constrangedor. Senti-me uma garotinha refutando uma cantada mais abusada. Felizmente não perdemos a amizade. Mas fiquei encanado com o fato dele achar que eu também fosse gay.

Foi a partir disso que passei a perguntar a todas as garotas com quem tive casos e namoricos na década de 90 (curiosamente passei a interessar mais às mulheres a medida em que a calvície avançava) sobre a impressão que elas tinham sobre mim, antes de me conhecerem melhor. Algumas confirmavam que desconfiavam levemente que eu pudesse ser gay. Uma delas até admitiu que me cantara também para testar sua suspeita. Outra, mais espirituosa, respondeu que sempre me achara heterodoxo (o hetero somente já bastaria para mim).

Foi com esse jeitão de heterossexual enrustido que cheguei ao casamento cuja mulher acabei de perder semana passada. Foi no começo da noite de sexta-feira. Resolvi chegar mais cedo a casa. Ao abrir a porta, fui surpreendido com o som de sussurros vindo do quarto. Segui silenciosamente, pé ante pé até a porta entreaberta do quarto que se encontrava na penumbra. Sem que me percebessem pude observar minha esposa desnuda da cintura para cima, acariciando o rosto dele. Ele retribuía com um olhar apaixonado, enquanto ela o despia de sua calça. Passou então a olhar atentamente sua genitália, enquanto ele a tocava no seio. Eis que o pênis daquele que ocupava o meu lugar na cama começa a se erguer, sob o olhar assustado de minha esposa. Foi nesse instante que ela, percebendo a minha presença, gritou-me:

- Amor, rápido! Me arruma uma fralda. O Inácio está quase fazendo xixi.

quinta-feira, 3 de maio de 2007

Perpétuo-Mais-Que-Perfeito


Muito antes dos brinquedos chineses chegarem ao Brasil, Troll, Atma, Glasslite, Gulliver e Estrela eram marcas ¨Top of (litlle) minds¨ no mundo infantil dos anos 70. Eu conhecia todos os brinquedos pelos reclames veiculados nos intervalos dos desenhos animados. Os publicitários já nessa época eram sádicos com as crianças pobres. Ferrorama, playmobil, forte-apache, aquaplay, autorama do Emerson Fittipaldi...a lista é imensa. Mas eu adquirira uma certa imunidade.
O quintal de casa era compartilhado com mais quatro famílias, uma espécie de condomínio fechado de pobre. Eram todas casas de aluguel pertencentes a uma grande família de portugueses que detinha, no total, mais da metade das casas da rua. E nesse “condomínio” havia famílias com variados graus de pobreza. A do vizinho farmacêutico era da classe pobre alta (seria da classe média-baixa se não estivesse num segundo casamento, e não tivesse uma penca de filhos). A do vizinho caminhoneiro era da classe pobre-média. Já nossa família era da classe pobre purinha mesmo. Foi nessa época que resolvi perguntar pro pai, por que o Ricardo (filho único do caminhoneiro) brincava com carrinhos bonitos, enquanto eu brincava com tocos de madeira. O pai, com seu jeito simples, me explicou que não poderia me comprar um novo brinquedo, toda vez perdesse ou quebrasse o antigo, e além disso ele gostaria que eu aprendesse a olhar para o toco e ver nele o carro que quisesse: corcel, fusca, maverick...bastasse que eu usasse a imaginação... O pai explicou também, de acordo com sua percepção singela da vida, que imaginação era algo como ter uma visão-além-dos-olhos. Se dominasse essa técnica, poderia virar até um “reclamista” (criador de reclames).
O pai era uma pessoa com muita imaginação. Se 0s pais mais instruídos explicavam o mundo a seus filhos, ao meu, semi-analfabeto, não restava outro remédio senão inventar, criar um mundo para seus rebentos. Contudo, ele não nos enganava respondendo nossas perguntas sobre coisas que ele mesmo não conhecia. Ele nos maravilhava com construções imagéticas incríveis, preenchendo os buracos de seu (e nosso) conhecimento com estórias fantasticamente reais, ou realmente fantásticas. Nas manhãs de domingo, enquanto a mãe já bem cedo lidava com o coador de pano e o café Seleto na cozinha, a filharada se amontoava em volta do pai na cama, para ouvir suas fábulas, estórias, teorias e memórias. No almoço do domingo não faltava à mesa o frango, o macarrão, a garrafa de Tubaína (que enchia de alegria nossos copos reciclados de extratos de tomate Cica e Etti), e a coletiva de imprensa mirim fazendo milhares de perguntas ao velhão.
O fato foi que, quer porque herdasse dele a imaginação fértil, quer porque seguisse mais fielmente seus conselhos sobre a visão-além-dos-olhos, passei a transformar pedras, paus e diversos cacarecos em estupendos brinquedos. Assim, a tampa da lata de leite Ninho se transformava no disco voador de Perdidos no Espaço. Saco de papel se transformava na máscara do Batman. Toalha velha dava uma excelente capa do Super-homem. Graveto jogado na bacia do banho virava o submarino de Viagem ao Fundo do Mar. Aviões de papel se incorporavam em caças do Capitão Escarlate. Tigela velha virava aquário para “peixinhos” que eu encontrava pela rua (mas quando as patinhas traseiras começavam a aparecer, a mãe me obrigava acabar a brincadeira).
Com a visão-além-dos-olhos eu conseguia manipular mentalmente quaisquer formas, aperfeiçoá-las nos detalhes, descobrir as potencialidades do vazio, moldar o invisível, plasmar o imaginável. Muito tardiamente eu me dera conta que meu pai me legara a habilidade de conjugar o perpétuo-mais-que-perfeito. Eu era o meu próprio verbo.
Anos mais tarde, já no Colegial, colegas e professores elogiavam minha imaginação e me aconselhavam a seguir a carreira de publicitário. Mas fiz faculdade de História, pois não cogitava servir aos que preenchem as cabeças das crianças (e adultos) de desejos pelo supérfluo (muitas vezes inacessível). Seria como usar a visão-além-dos-olhos para o mal. Ao contrário, poupei o meu “dom” para coisas muito mais importantes.
Atualmente, umas poucas vezes ao ano a família se reúne em peso em almoços de domingo. E nessas ocasiões a visão-além-dos-olhos me é extremamente útil. Com ela consigo transformar os copos Nadir Figueiredo da mãe em pequenos copinhos da Cica ou da Etti. Com ela consigo transmutar a garrafa pet de dois litros de Coca-cola numa garrafa de vidro amarronzado de Tubaína. E o mais importante: com a visão-além-dos-olhos eu consigo preencher uma cadeira vazia com a presença do pai, contando seus “causos” e suas estórias.
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Mais recentemente venho observando meu filho de cinco meses. Algumas vezes ele parece manusear o ar e rir. Noutras, fixa um olhar curioso para um canto vazio do quarto, esboçando uns sorrisos.
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Para os próximos anos já estou me programando para ministrar um intensivo curso de visão-além-dos-olhos para o meu guri. Quero garantir que ele me veja presente em todos os almoços de família de sua vida.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

As paixões da oitava série.

Os anos no primário terminavam, e eu não perdia as esperanças de que na lista de material do ano seguinte, fossem incluídos alguns dos sonhos de consumo de nossa infância escolar. Com as canetinhas Silvapen eu já não sonhava mais. Só eram desejadas até a quarta série...depois disso perdiam a graça, pelo menos pra nós, moleques. De giz de cera eu nunca gostei... aquele traço grosso deixava meus desenhos ainda mais feios. O apontador de ferro era eterno, não quebrava nunca, ou pelo menos durava até a oitava série... mas nem com esses argumentos eu conseguia convencer a mãe a comprar... tinha que me contentar com o verdinho redondo. Uma vez, acidentalmente, o verdinho caiu da mesinha e foi rolando até perto da mesa da professora, durante um ditado: perdi cinco palavras só para ir busca-lo. As réguas geométricas eram outro item de adoração. Nas aulas de educação artística eram essenciais para desenhar bichos, e nas de geografia serviam pra gente contornar o (antes indesenhável) mapa do Brasil.
Eu adorava também o dia em que chegavam os livros didáticos. Era maravilhoso ver a professora chegando com aquelas caixas abarrotadas. A primeira coisa que eu fazia quando recebia os meus era cheira-los. Adorava (e ainda adoro) o cheiro de livro novo. Um dia desses, estava numa grande livraria de shopping, aproveitei que não havia ninguém por perto e dei uma bela cheirada num Fritjof Capra. O chato dos livros didáticos é que conforme se seguiam as séries, menos figuras eles possuíam. Os de Matemática já eram chatos desde a quinta: só figuras de conjuntos, triângulos, cubos e retas. Eu odiava as retas. Os de História iam ficando mais grossos, letras menores, e as figuras iam perdendo a cor. Os de Geografia e Português começavam a se dividir em livros-textos e os odiávieis e intermináveis cadernos de exercícios (geralmente feitos de papel amarelado com um cheiro ruim).
O maior sonho de toda a nossa infância escolar era a caixa de lápis de cor Faber Castell de trinta e seis cores. Conhecia-se o padrão de vida de um coleguinha pelo tamanho da caixa de lápis de cor que os pais lhe comprava. As de seis cores eram comuns nas séries iniciais. As de doze já causavam alguma inveja a partir da quarta série. A partir da quinta até a sétima já surgiam alguns afortunados com os maravilhosos estojos com vinte e quatro cores. Finalmente, na oitava série se escancarava de vez a luta de classes: uma minoria privilegiada com trinta e seis, a grande maioria com o estojo de vinte e quatro, e eu, com meu valente estojinho semi-novo de onze cores (eu havia perdido o azul celeste), que com alguma economia, sobrevivera à sétima série. O lápis vermelho era o mais gasto, estava pela metade. Os outros ainda possuíam dois terços do tamanho original. E o branco... intacto. Aliás, desde que a primeira caixinha veio parar em minhas mãos, eu me perguntava: Por que o senhor Faber Castell (eu o imaginava como um velhinho barrigudo, bonachão, de terno e colete, óculos redondinhos, bigode farto e branco, cartola e bengala), insistia em colocar nas caixinhas, o inexpressivo (e até então inútil) lápis branco. Nunca se usava.
Mas o lápis branco e o azul celeste (que perdi) tiveram um papel importantíssimo na minha oitava série. Os céus do meu caderno de desenho nunca ficaram desamparados graças a Miriam de Fátima (36 cores), a colega da mesinha da frente que passou a me emprestar o lápis azul celeste e os sorrisos brancos. Miriam era um ano mais velha que eu, mais madura, alta, não muito magra, pele alvíssima e cabelos compridos levemente avermelhados. Não morava no bairro, pois pegava ônibus pra ir embora. Só não era a menina mais bonita da sala por causa do nariz grandinho... mas era a menina mais bonita dos meus olhos. Entre empréstimos de lápis e devoluções de borracha (embora ela possuísse uma, gostava de usar a minha), ficamos muito amigos. Vivia me roubando o caderno para copiar as repostas dos questionários de Geografia e História, devolvendo depois devidamente assinado com seu primeiro nome num dos cantos das folhas. Depois de um tempo comecei a ter a impressão de que o “M” da assinatura dela passara a ser traçado com as perninhas mais fechadas, formando um coraçãozinho... Bendito lápis azul-celeste!
No mês de julho daquele ano aconteceu algo estranho. Pela primeira vez me sentia desconfortável com as férias... Futebol de rua, pega-pega, peão, empinar papagaio... nenhum folguedo parecia dar-me a satisfação de antes. Foi então que numa noite, ouvindo o rádio do pai, eu senti um aperto no coração, uma dorzinha, um desconforto melancólico. Tocava a música Flor do Campo na voz do Fabio Junior... Não sabia nomear aquele sentimento... mas ele durou as férias inteiras... e se fazia piorar toda vez que eu ouvia a música.
Recomeçaram as aulas, os empréstimos e as assinaturas. Embora tivesse havido algum progresso na intimidade com a Miriam (já não era raro compartilharmos doces na hora do recreio), a preocupação com o final do ano passava a angustiar-me. Minha escola era apenas de primeiro grau. Iríamos para escolas diferentes. Talvez nunca voltássemos a nos falar, já que ela iria para um colégio em seu prórpio bairro. E eu temia perpetuar para o resto da minha vida aquela sensação desconfortável que surgira nas férias, ainda que conseguisse calar a boca do Fabio Junior. Numa atitude de desespero, passei a sentar junto com a turma do fundão... mas ela me arrastou com mesa, cadeira e tudo pra perto dela. Maldito lápis azul-celeste!
Chegou novembro e aquela sensação estranha não passava. E o maldito Fabio Junior continuava estourando nas paradas. Foi então que numa atitude impulsiva passei a desenhar um coração envolvendo cada assinatura que ela deixava em meu caderno. Ela continuava assinando. Mas a cada coração que fazia, me sentia melhor. Então resolvi ousar ainda mais: comecei a escrever “eu te amo” nos cantos das folhas onde ela ainda não havia assinado. E ela continuava a assinar. E eu ia me sentindo melhor a cada folha. Foi então que resolvi dar o golpe final no restinho de melancolia que ainda sentia, já na última semana de aula: Desenhei um grande coração na última folha do caderno, e dentro dele escrevi todos os meus sentimentos. Foi uma ação libertadora. Sentia-me leve, não carregaria mais o fardo dos sentimentos inconfessáveis. No último dia de aula Miriam me pediu o caderno e escreveu um pequeno versinho na última folha... e assinou. A oitava série terminou, e nós nunca mais voltamos a nos ver. Ainda guardo dela uma pequena, doce e eterna saudade. Foi uma verdadeira terapia eu ter aprendido a expressar meus sentimentos através da escrita. Bendito, bendito lápis branco!!

segunda-feira, 23 de abril de 2007

O universo num suspiro.


Quando eu era moleque adorava suspiro. Às vezes tenho a impressão de que deixei de ser criança no exato momento em que o doce perdeu a importância pra mim. Ah! Como era doce a infância!
Eu ficava cheio de esperanças quando o caminhão Ford verde escuro, com o logotipo da marca Neuza, parava na frente do boteco perto de casa. Sabia que as prateleiras estariam sendo abastecidas de novas guloseimas. Gibis de amendoim, doce de leite, cocadas, suspiros, maria-mole, pipocas de canjica (naquele inconfundível saco rosa), paçoquinha... todas as delícias do mundo que trinta centavos poderiam comprar.
Se eu quisesse um doce mais sofisticado, teria que me aventurar por dois quarteirões e meio, enfrentando cachorros de rua de humores instáveis e os temíveis moleques da rua de cima. A quitanda do Seu Joaquim ficava longe para minhas pernas de 8 anos. Mas valia a pena: chocolate em forma de peixe, garrafinhas de chocolate com licor, simulacro de sorvete feito com casquinha cônica comestível recheada de maria-mole com açúcar granulado e um brinquedinho espetado na ponta. Havia também doces mais caros, como os chocolates Prestígio e Choquito, os cigarrinhos de chocolate da Pan... mas eu raramente tinha dinheiro para comprá-los. E quando o fazia, ia lambendo e chupando o doce para ele não acabar rápido, afinal, custavam o equivalente a três doces normais. De qualquer forma já valia a “viagem” chegar perto daquele gabinete de madeira, sentir a mistura dos cheiros açucarados, descobrir novidades e desejos.
No meu bairro os ambulantes também faziam sucesso. Quando ouvíamos o som da buzina, interrompíamos o que quer que estivéssemos fazendo (futebol, jogo de taco, mãe-da-rua), aguardando estáticos o surgimento do ambulante quebrando a esquina. Algodão-doce, maçã-do- amor, quebra-queixo e os deliciosos sorvetes da Crenata. Eu adorava o sorvete Esquimo (recheio de nata com cobertura de uma fina casquinha de chocolate vagabundo). Surgiam os ambulantes, enfim, e aos sons das buzinadas se juntava o alvoroço da molecada, entrando em suas casas, extorquindo as mães através de súplicas ou birras. Pena que nem sempre suas aparições coincidiam com o dia do pagamento dos pais. Era frustrante vê-los surgir numa extremidade da rua, sentir as provocações das buzinadas, observando-os seguirem em seu passo demorado e exibicionista, até ganharem a outra esquina, desaparecendo como uma miragem... sem que nossos olhares mais suplicantes ou nossos choros mais convincentes arrancassem da mãe os vinténs que ela guardava pra coisas menos importantes (couve, salada, arroz, feijão).
Já nos tempos de escola descobrimos novos sabores: as paçoquinhas que vinham socadinhas em cones de papel, potinhos comestíveis de doce de banana (aquele com pazinha de madeira), sucos gelados ou congelados em saquinhos plásticos, os isopores maravilhosos e seus picolés sortidos de coco queimado, abacate, groselha... A rua do portão de entrada do Colégio de Primeiro Grau Dona Angelina Maffei Vita (não resisti a escrever o nome inteiro tal e qual aos milhares de cabeçalhos que nos obrigavam iniciar cada disciplina!) era um verdadeiro carnaval dos pecados. Eu era freguês de um sorveteiro que oferecia como diferencial a oportunidade de se ganhar outro picolé, se conseguíssemos retirar uma bolinha branca de dentro de um saco de pano cheio de bolas de gude. Até o fim da oitava série não conheci ninguém que tivesse conseguido!
Na fase Office-boy sobrava algum dinheiro para um sorvete da Kibon ou da Gelatto. Eu era daqueles que, findo o sorvete, ficava mastigando/chupando os palitos por horas. Uma vez, descobri tardiamente que havia mastigado um palito premiado... perdi um sorvete extra! Que droga! Só fui perder o hábito de mastigar palitos quando a Kibon lançou a promoção na qual você trocava uma certa quantidade de palitos marcados por figurinhas do álbum do filme Flash Gordon (a versão de 1980). Aproveitava minhas andanças de boy pra coletar palitos perdidos pelas ruas de São Paulo. Resisti bravamente para não mastigá-los. Por fim, preenchi totalmente o álbum... mas até hoje não assisti ao filme.
Ah!...Nossa doce infância!!! Se eu pudesse dar um conselho a meu querido leitor... pediria a ele que num dia ensolarado qualquer, adquirisse um doce, desses que um dia adocicaram a sua meninice (um suspiro, por exemplo), procurasse um banco de praça ou a sombra de uma árvore, e se dedicasse única e exclusivamente a comer esse suspiro. Apenas coma-o, pois é assim que as crianças fazem... No minuto em que durar a degustação, se esqueça do mundo, ignore o temor das calorias, esqueça o tempo do relógio. Apenas coma o suspiro. Não pense em nada. Se memórias lhe assaltarem a mente, deixe-as fluir, pois memórias são pensamentos já pensados. Apenas coma o suspiro. Use seu olfato para extrair-lhe o doce aroma... use os olhos apenas para descobrir nele os cantos mais saborosos. Apenas coma o suspiro. Não se importe com as migalhas que poderão lhe cair sobre a camisa nova. Apenas coma o suspiro... Aaah...! Quem sabe, num suspiro, você encontra uma criança perdida?!

domingo, 22 de abril de 2007

Os Trampos.


Na minha família, todos estudávamos sem precisar trabalhar até completar o primeiro grau. Foi quando saí do Maffei Vita para o Colombo em 82, que comecei a folhear o Estadão todos os domingos a procura de emprego. Naquela época o caderno de empregos do jornal era o dobro de toda a edição que atualmente sai aos domingos! A letra “A” de auxiliar era infinita. Mas eu ia direto pra letra ‘o” de office-boy. E não era muito fácil achar um anuncio que servisse. A maioria pedia pelo menos um ano de experiência. Bah! Como?! Se esse cargo era procurado justamente pelos que entravam no mundo do trabalho aos 14 anos?!! Dos quarenta (!) anúncios que costumavam sair, somente uns 5 não pediam ou não mencionavam experiência. Eu os recortava e saía toda segunda-feira de manhã pra “fazer ficha”, confiante, com meu diploma de datilografia da escola Itapemirim na pastinha. Não via a hora de ter o meu salário... quero dizer, metade do meu salário (a outra ficaria com a mãe).
Nesses saudosos anos a gente começava a projetar a vida profissional assim: começaria como office-boy (ou contínuo, mais chic), depois passaria para boy maior (aos 18), e finalmente, conseguiria a promoção para o cargo de auxiliar de escritório (o auge da carreira). Como auxiliar era possível alugar uma casa, constituir família, ter algum orgulho social. Se tivesse sorte, se especializava numa tarefa mais específica (auxiliar de cobrança, por exemplo).
Faculdade?! As privadas já eram caríssimas, as públicas já eram inacessíveis. O negócio era fazer um colegial técnico (opção em Humanas ou Exatas), ou prestar um vestibulinho pro Colégio Industrial, ou o Comercial. Se conseguisse um curso no Senai estava feito! Não lhe faltaria emprego e bom salário.
Sinônimo de êxito na vida profissional era ser bancário. Do Bradesco então, mais chic ainda, com aquela gravatinha de crochê. Diziam na época que no Bradescão não se podia ficar mais de dois anos sem promoção. Corria-se o risco de ser dispensado. Pra quem olhava de fora, ou da fila do caixa no meu caso (boy), isso soava deveras estimulante. Mas lá dentro a pressão era grande...e poucos sabiam que o sistema não era uma pirâmide, e sim um vulcão (queriam que você subisse rápido pra dar lugar e estimular os que vinham debaixo, criando a ilusão de uma rápida ascensão). Mas a carreira era limitada...havia um final na carreira...a partir dali você era queimado, expelido para dar continuidade a roda da fortuna (dos banqueiros).
Nos anos 80 ficou muito famosa a tese, que tinha como seu principal defensor, Ricardo Semler (autor de “Virando a própria mesa.”), de abrir seu próprio negócio. Ser o seu próprio patrão. A diferença em relação aos dias atuais é que naqueles anos, ter o próprio negócio era sinônimo de fazer dinheiro, ficar rico. Hoje é apenas uma alternativa de sobrevivência a quem já se desencanou de arrumar emprego de carteira assinada.
Havia os que profetizavam que o futuro estava na computação. O auxiliar de escritório tinha que se atualizar, aprender Wordstar, Lotus, Dbase...ou se tornar um programador de Cobol, Assembler, Pascal. Eu tentei dar uma investida fazendo um curso para programação de Basic (não serviu pra nada). Tentei então o genérico Operador de computador (uma espécie de peão do programador). Nada. Daí tentei um curso de Digitador (o cargo mais peão da informática): comecei a trabalhar de manhã no Banco Real e a noite fazia bico de digitador (ninguém registrava digitador por causa da tendinite). Daí seguiram-se muitos anos de minha vida em dois turnos de trabalho...sempre temendo a tendinite. Acabei pegando mesmo foi uma sinusite por causa do ar condicionado dos CPDs (centro de processamento de dados). A vida de digitador era boa. Pegávamos o serviço a ser digitado nas prateleiras, digitávamos ouvindo música no walkman, parávamos 10 a cada 50 minutos de trabalho, e colocávamos o serviço digitado em outra prateleira para ser conferido por outros digitadores. Mas..., algum idiota inventou o código de barras. Adeus digitadores...assim como os motoboys substituíram aos office-boys, os computadores aos bancários, os anos 90 aos 80, o bico ao trabalho de carteira assinada.
Mas ainda na fase bancária tive bons momentos trabalhando de manhã no Banco Real e a noite no Unibanco. Dois registros na carteira, dois salários, dois talões de vale-refeição, dois planos de assistências médicas, dois chefes (nada é perfeito). Guardei muito dinheiro, gastei outro tanto, cultivei olheiras, fiz muitos amigos e greves. Essa fase terminou quando eu tive que sair de um dos bancos pra cursar a faculdade de História....e depois, quando saí do outro para assumir como funcionário público. Daqui já não há mais para onde correr. Chega de correr...
A melhor fase?! Foi a de boy, sem dúvida: conhecia toda a cidade, tomava chuva, corria de trombadinha na zona leste, encontrava os amigos na fila do banco, economizava o dinheiro da passagem andando a pé, almoçava cachorro quente na Paulista, via o mundo passando apressado através da janela do busão, e cochilava na longa volta para o bairro da Casa Verde, sonhando um dia me tornar um auxiliar de escritório.

Geral no saco.


Você sabe o que significa “gambé”? E “tomar uma geral”? Esses termos eram bem conhecidos na periferia de São Paulo, principalmente entre a molecada. Gambé é uma gíria para policial e “geral” era o termo para revista policial. Vivíamos o final da época dos governos militares, e os policiais tinham liberdade para revistar quem quisessem. Eles adoravam dar geral em preto e nos de preto: nos negrinhos e nos roqueiros (camisetas pretas). Pior pra mim que era um preto de preto. Lembro-me que quando menor, costumava ouvir e acatar os conselhos dos garotos maiores e mais experientes:
- Mano! Quando os gambé vier te dar geral abre bem as perna, senão os cara vão te dar um puta chute nas canelas pra você abrir. – dizia o Cidão.
Nunca esqueci o conselho...e o apliquei em todas as minhas gerais. Minha primeira foi no Horto Florestal (um grande parque da zona norte). Estávamos lá eu, Zoli, Laudinho, Cuga e Piru, fazendo uma espécie de piquinique (coca-cola e pão com mortadela), devidamente trajados de roqueiros: broches, calças rasgadas, camisas pretas e cabelos compridos. Na verdade eu não deixava meu cabelo (aí que saudade dele!) muito grande, pois ele crescia pra cima, fazendo-me parecer com o Michael Jackson na fase negra. Para evitar isso, vivia puxando meus cabelinhos da nuca para baixo, criando um pigmaleão ilegítimo. Não adiantava muito. No máximo ficava parecido com o Michael Jackson na fase vitiligo. Mas voltando a geral...
Lá estávamos nós sentados à sombra de uma árvore, saboreando os deliciosos sanduiches de mortadela sabor “digitais de balconista de padoca” (a higiêne dos padeiros da época era froids!). Eis que um camburão se aproxima, e dele saem quatro gambés com as mãos pousadas nas armas, gritando “mão na cabeça!”. Ficamos todos com “o cu na mão” e atendemos prontamente os PMs. Piru, que até então não ostentava o título de “o mais cagão”, estava pálido como a gordura na rodela de mortadela. A geral se procedeu com a revista, cheirada das mãos (sempre faziam isso em roqueiros pra tentar sentir vestígios do cheiro de maconha) e terminando com um mini-interrogatório.
- Ah! Vocês são roqueiros...sorte de vocês. A gente não gosta é de punk. – amendrontava um policial.
- Não, não...imagina! Ninguém aqui é punk, não. – se apressava em responder Piru, com um olho fechado e dois bem arregalados.
- Não quero ver ninguém aqui consumindo drogas, heim?!- disse o último policial a entrar no camburão.
- Não, não...que isso! Brigadu, viu?! E desculpe alguma coisa. – respondeu o pobre Piru.
Pobre Piru! Não pelo medo que havia passado, mas pela infeliz resposta, que jamais fora esquecida pelo resto da turma. Depois disso o moleque foi condecorado com o temido título de “cu”. Anos mais tarde, devido a outros fatos, ele foi promovido ao de “cuzão”. E por muito pouco ele conseguiu aposentar sua carreira de moleque sem receber a última graduação do título: “mó cuzão”.
Essa foi apenas a primeira de muitas gerais que tomamos ao longo de nossa vida roqueira. E a melhor de todas foi a da Avenida Marquês de São Vicente. Nós estávamos caminhando pela larga avenida, margeada pelo grande e comprido muro que isolava os terrenos baldios da Marginal, quando um camburão passou vagarozamente na pista contrária com seus quatro ocupantes nos encarando. Nesse momento ficou certo pra nós que fatalmente tomaríamos uma geral. O camburão iria até o começo da avenida, cerca de 500 metros daquele ponto, contornaria a rotatória, e viria ao nosso encalço. Foi aí que todos nos surpreendemos com o Zoli enfiando as duas mãos dentro das calças:
- Que é isso, mano? - perguntou Laudinho.
- Querem dar geral na gente?! Tudo bem....mas esses filhos da puta vão ter que cheirar o meu saco! – respondeu em tom de indignação, enquando esfregava as duas mãos na bolsa escrotal.
Foram anos tomando geral de gambés nem sempre tão delicados...e agora Zoli queria fazê-los pagar, cheirando seu saco por tabela. Aprovamos a idéia e passamos a fazer o mesmo (cada um em seu saco, claro!). Esfregávamos e ríamos.
- O guarda que me pegar tá fudido...Joguei bola o dia inteiro, e ainda não tomei banho. Sente só o cheiro, La? – disse Piru oferecendo as mãos para o Laudinho cheirar.
- Saí pra lá, seu porco!- respondeu, recusando a oferta.
- Puxa! Pena que eu tomei banho! – lamentei eu.
- Enfia no cu, então. – sugeriu com sarcasmo Cuga.
- Não tenho coragem. – respondi gargalhando.
- Minha mão esquerda tá limpa...ainda nem esfreguei no saco....se quiser eu te empresto pra você passar no cu, Beto. – sacaneou Laudinho.
- Sem chances!- respondi fazendo coro nas gargalhadas.
Minutos depois lá estávamos nós, os cinco garotos, tomando mais uma geral, se esforçando ao máximo para escondermos o cínico sorriso da vitória, enquanto nossas mãos eram cheiradas.

Meu zine vomitado.

Eu sempre fui fissurado por quadrinhos. Me lembro que desde a mais tenra idade adorava todo tipo de gibis: disney, maurício de souza, stan lee (super heróis). Até hoje, de vez em quando, dou uma olhadinha nos homens-aranhas da vida. Mas um divisor de águas naqueles saudosos anos finais da década de 70 foi quando uma revista MAD veio parar na minha mão. Uma vizinha tava botando umas revistas fora e eu peguei a revista da pilha. Era uma edição que continha uma sátira ao filme Contatos Imediatos de Segundo Grau. Bah! Faz tempo! E tinha outras sátiras a comerciais de TV e outras coisas. Me viciei. E apurei a acidez do meu humor.
O mundo dos quadrinhos me deu, então, esse mérito (ou demérito na ótica da minha esposa): fez o mundo real e o irreal se misturarem um pouco na minha cabeça. Os limites do possível passaram a ficar muito tênues pra mim. Não que virasse um doido varrido...mas passei a achar tudo possível: viajens no tempo, vida em outros planetas, fantasmas, deuses astronautas, fim do capitalismo. E essas viagens todas só se fizeram piorar com meus 6 anos de assinatura da revista PLANETA, e meus 7 anos na faculdade de História na USP (fora mais alguns cursos em Sociologia, Antropologia). É claro que um cara assim teria mesmo que ir parar no Heavy Metal. Mas isso é uma outra história.
Os anos 80 eram muito carentes de informação sobre música. Tanto é que, na esteira da cultura punk (faça você mesmo), ficou muito popular um veículo de comunicação chamado Fanzine (zine para os íntimos). Basicamente era a troca de informações sobre bandas de rock, além de algum esboço de teoria ideológica possível em papel xerocado. Eram vendidos nas lojas de discos e outros inferninhos do underground.
Juntando sátira, crítica, rock e o resto do mundo underground, surgiram as revistas tipo Chiclete com Banana, Piratas do Tiête, Animal, etc. Vocês não imaginam a frustração que era pra mim, nesta época, não saber tocar um instrumento ou desenhar. Até tentei algumas investidas: fui o primeiro vocalista da primeira das inúmeras bandas do Laudinho. Mas minha timidez e senso crítico não me permitiram ficar na banda por mais de dois meses. Outra investida, menos infrutífera foram as revistinhas que eu comecei a fazer. Nelas eu consegui alguma satisfação, semelhante a que devem sentir os músicos que compoem.
Se os zines eram undergrounds por circularem em papel xerocado e terem o layout rebuscado, os meus zines eram hiper-ultra-mega undergrounds (se bem que, em se tratando de underground eu deveria dizer sub underground). Eram feitos com caneta bic, desenhos mal-feitos, e nem xerocados eram. Como fazia uma peça única, eu circulava de mão em mão. E adorava ficar ao lado pra ouvir as gargalhadas e comentários.
O primeiro que fiz foi vomitado(!) Eu tinha chegado em casa lá pelas 4 ou cinco da manhã. Estava ainda sob os efeitos da noite etílica em algum inferninho da cidade. Nunca fui de beber muito. Mas era de passar muito mal com o pouco que bebia. Uma vez cheguei a comentar com o Piru que sentia que havia sobre mim uma espécie de maldição (ou benção, dirão alguns): eu estaria condenado a ditadura da sobriedade. Se por um lado tinha a capacidade de viajar na maionese caretinha da silva, por outro, quase nunca conseguia curtir os efeitos do álcool . A bebida em qualquer quantidade só me deixava meia hora tonto, e doze horas de estômago virado. Só preju! Mas voltando ao zine...
Como não conseguia dormir naquela noite, liguei a TV na Gazeta (rolava uns clipes na madrugada), peguei caneta e papel e me deitei no chão da sala. A revistinha praticamente saiu numa canetada só, quase uma psicografia (diria Chico Xavier se estivesse vivo...se bem que mesmo morto ele poderia dizer isso pela boca ou caneta de alguém....viajei!). Dia seguinte, domingo, duas e meia da tarde, depois da macarronada e fórmula um, lá estava eu na rua, circulando a revistinha. Sucesso total. Se bem que sucesso é uma palavrinha que não se pode usar no mundo underground: como diria Paulo Ricardo, que ainda está vivo – “ no underground repousa o repúdio, que deve despertar uouuuuu!!!” Baita cuzão esse Paulo Ricardo.



P.S. (tão logo eu terminei estas últimas linhas, minha esposa gritou lá da área de serviço que mais uma vez eu esquecera moedas no bolso de alguma calça...a máquina de lavar estava a ponto de explodir!... e minha cabeça sempre na Lua...tsc...tsc...tsc....tudo culpa do homem-aranha!)

As solas e as histórias.

“O brasileiro quando sai de conga fica confortável,
Conga é mais macio, conga é mais durável...”

Será que alguém ainda se lembra dessa propaganda? Era um moleque usando um conga azul marinho, fazendo embaixadinhas com uma tampinha de garrafa, sob o fundo musical do Brasileirinho, com a letra acima adaptada. Você nem sabe o que é um conga?! Devo estar ficando velho mesmo!
Nossos calçados têm uma importância fundamental na reconstituição de nossa memória. Tudo começou com os chinelinhos havaianas. Era o principal calçado que minha mãe comprava pra gente (seis filhos!!). E comprava um ou dois números a maior, pois pé de criança cresce mais que os salários. E olha que naquela época havaianas era coisa brega! Mas os cachorros adoravam. O cachorro do vizinho, Shake (era mestiço de pequenez com vira-lata) almoçou uma vez meu 31-32 azul piscina. E como ardiam nas nádegas! Pior mesmo era apanhar de chinelos velhos (aqueles em que se espetavam grampos de cabelo pra evitar que as tiras escapassem). Eu morria de medo de um par calibre 39-40 que meu pai usava.
Usei muito conga para ir à escola. O azul para as aulas e o branco pra educação física (escapei do vermelhinho, pois não fiz o pré-primário). Mas depois de alguns anos fui ficando com aquela bobeira, característica da idade, de impressionar os amigos: pedi pra mãe me comprar um kichute. Já era um pré-adolescente, merecia um kichute! Era muito legal. A turma costumava passar graxa pra garantir o pretinho brilhoso. O problema era o chulé (o único tênis que não dava chulé era o Montreal anti-microbiel!). Mitsu, meu amigo japonês, tinha mais grana. Ele usava bamba monobloco (que tinha esse nome pois a sola era feita numa única peça de borracha). Nessa época pintou meu primeiro sonho de consumo: um tênis da marca Íris, que tinha a representação do pé desenhada por cima. Ainda bem que a mãe não me comprou(!)
Já na adolescência, o campeão dos sonhos de toda a gurizada era o all star. Importado, contrabandeado, e caro. E por isso, o pessoal usava até gastar...e era chique. Nunca vou me esquecer da imagem do Gagá, num sábado à tarde, de banho tomado, calça us-top branca, camisa novinha....e um all star velho (uns dois números a maior) todo estourado no pé. Tava prontinho pra ir a um aniversário. Não mencionei a cor do tênis pois ele já havia perdido! Mas feliz era ele...pois eu tinha que me contentar com o bamba basquete (também conhecido como bamba cabeção, por causa da biqueira laaarga) com o desenho do super-homem no calcanhar.
O all star acabou perdendo um pouco a estrela quando surgiram os sacoleiros do Paraguai. Eles vendiam de tudo: walkmans vermelhos, calças fiorucci, relógios g-shock com 36 musiquinhas. Quase tudo falsificado. As exceções eram os tênis que ficaram conhecidos genericamente por chinesinhos. Meu sonho de consumo passou a ser o tênis chinês fire white (com sola azul e estrelinha de mesma cor plastificada). Nessa época eu já não pedia pra mãe comprar, pois já era um office-boy e tinha meu dinheirinho. Mas não comprei. Preferia me juntar aos amigos Laudinho, Piru e mais alguns, para irmos até o Eldorado na rua Pamplona, comprar o recém-lançado Rainha basquete. Era o que havia de mais parecido com o all star. Mas isto foi antes do Piru começar a dar calotes na loja de calçados na rua Doutor César Castiglioni, ao lado do Bradesco. Ele comprava os tênis parcelados em 5 vezes, pagava a primeira e tchau e bênçãos. Nesse tempo, as financeiras mandavam correspondência também para os que eram arrolados como referência na ficha cadastral da loja. Eu era a referência preferencial do Piru. Tinha coleção de cartinhas de cobrança. Mas depois de um tempo, quando o tênis começava a furar, ele entrava em acordo com a financeira, parcelava o débito com um descontão nos juros....e comprava outro tênis. Se não me engano, anos depois, ele trabalhou nessa mesma loja.
Pois é! Quanto chão cabe embaixo de um sapato! Eu consigo citar um monte de gente da minha meninice e associá-los aos pisantes:

LAUDINHO: tinha um le coq sportif de couro, cano alto, cuja sola não gastava nunca, e como o pé dele não crescia (já nascera com pés de adulto) acabou dando o tênis pra alguém.

SERGIO (Canavial): tinha um tênis de cooper de uma marca canadense chamada Power. Era azul e vermelho. Não tirava do pé. Até que suas unhas grossas e incortáveis rasgaram o bico do tênis.

BICELLI: samello estilo marinheiro, aquele azul marinho com solado branco e cadarços de couro que transpassavam também pelas laterais.

CUGA: um all star todo em lona camuflada...ele adorava usar calça pula-brejo só pra deixar o tênis mais a mostra.

ZICO: os tênis e sapatos que o próprio pai fabricava (afinal ele era conhecido como filho do sapateiro)

MITSU: além do bamba, rainha tênis (aquele com camurça cinza na ponta), rainha futebol de salão, topper basquete (o antigo que tinha o bico arrebitado, parecendo uma canoa, e o desenho de uma bola de basquete desenhada no calcanhar).

GAGÁ: o all star de cor indefinida, em estado de desintegração

OSMAR (Botcha): rainha monte carlo, rainha iate branco (que ele mesmo deixava todo quadriculado, pintando com caneta bic...ele usava o tênis até que seu dedo mindinho do pé esquerdo, teimoso, furasse a lona), canon (aqueles de camurça com solado de crepe)

LIKA (Alessandra): Comander verde, comander marron, comander, comander...

ZOLY: adidas universal basquete (couro branco com listas pretas). Na verdade o tênis era meu. Um clássico da indumentária roqueira, cujo modelo já estava fora de linha. O único que achei era número 42, eu calçava 40. Daí quis vendê-lo para o Zoly. Mas o cara não maculava seu visual roqueiro com roupas novas: “Novo assim eu não uso! Vai usando o tênis alguns meses, jogue bola com ele...quando ele ficar bem zoado eu compro.” Pior que eu não conseguia usar muito pois tinha vergonha do tamanho da lancha. Finalmente resolvemos o negócio: levei o tênis para a rua e começamos a massacrá-lo: pauladas, chutes, arremessos contra a parede. Meia hora depois, o zoly me comprou o tênis. Detalhe: ele calçava 38!!

KIOSHI: adidas de lona branca com solado de poliuretano (amarelava mas não gastava nunca), chinelos com sola feita de borracha de pneu de avião.

PIRU: lembro bastante do Piru ainda moleque. Usava um shortinho verde com listas brancas nas laterais, e sempre descalço. Já na fase roqueira, ele tinha um topper de couro todo branco, cano alto, com um emblema da marca (a letra ‘t’) acima dos calcanhares. Era um clássico também.

A grande conclusão é que nossos calçados nos levam longe. Haja sola pra gastar pelos caminhos que temos pela frente! Haja sola pra nos levar de volta pelos caminhos do passado!

Os rádios, as rádios.

Rock and roll tudo bem...mas a verdade é que eu sempre gostei de música e das coisas que a envolvem: revistas, rádios (estações), rádios (aparelhos). Lembro-me bem de quando morava na Rua Luiz de Vasconcelos, número 37-fundos, aliás, minha primeira casa, onde morei até meus vinte anos,...Meu pai tinha um rádio daqueles antigos, valvulados, caixa de madeira, ondas médias, curtas. O bicho ficava numa prateleira à altura do batente da porta da cozinha pro quarto. Era muito alto, ainda mais olhando dos meus 5 anos de idade e pouco mais de um metro de altura. Só depois entendi que meu pai tentava preservar o aparelho de nossas cabeças curiosas, e ao mesmo tempo tentava preservar nossas cabeças curiosas do aparelho (o trem era pesado). Mas foi através dele que ouvi muito Zé Bétio, Silvio Santos, Barros de Alencar (as sete campeãs), Gil Gomes. Ouvia tudo compulsiva e compulsoriamente.
As coisas melhoraram um pouco quando o pai ganhou de aniversário um rádio à pilha. A mãe, que havia juntado uns trocos durante o ano todo, comprou o rádio e pediu pra nós entregarmos o presente. Ficamos tão felizes quanto ele, pois sabíamos que a democracia haveria de ser implantada finalmente nas ondas do AM. Foi aí que finalmente eu pude acompanhar as novidades do mundo pop/funk através das rádios Difusora e Excelsior (á máquina do som!). Essas duas estações tinham uma programação muito semelhante às rádios FMs. Nesse perído eu conheci Kool and the Gang, Brass Construction, Jimmy Bo Hoorn, e outras pérolas do pop/funk/disco. Mas ainda assim era apenas AM.
A frequencia modulada só chegou em casa quando eu recebi meu primeiro salário de office-boy. Comprei um motorádio am/fm a pilha. Chegava em casa do trabalho e já ia direto pro radinho ouvir a Antena 1, Cidade FM, Jovem pan II. Nessa época eu aproveitava pra ouvir os sons com mais fidelidade no três-em-um Sanyo do Mitsu, pois o Sergio Canavial, que morava na minha rua, mesmo tendo um bom aparelho de som, só ouvia a rádio América (rádio AM bem popular).
Eu já havia sido recrutado pelo Rock quando consegui botar um som mais potente em casa: era um toca-fita de carro TKR, adaptado num rack com fonte transformadora e alto falantes Bravox. Eu comprava os LPs e pedia pro Sergio gravar em fitas cassetes. Ao lado do rack eu deixava o disco do Kiss (The Creatures of Night), com aquela capa com as figuras demoníacas me encarando, e me lembrando o tempo todo...que eu havia sido recrutado.
Cuga e Laudinho, outros recrutas, graças aos seus salários de contínuos, puderam comprar no Mappin da Praça Ramos, um aparelho tres-em-um da National, 80 watts rms...era pouco, mas mesmo assim fizemos nosso primeiro baile roqueiro na garagem do cuga com ele.
Zoly era um cara de sorte. Tinha um Gradiente modulado (tape-deck, reciver e toca-discos separados) com 120 watts de potencia. Melhor que o dele somente o do irmão do Bicelly: Sintonizador, mixer, amplificador, tape-deck, toca-discos...tudo separadinho e trossentos watts de potência).
Depois do meu TKR, eu tive um dois-em-um (reciver e toca-discos) de 100 watts...juntamente com um tape-deck de segunda-mão que comprei na rua Santa Efigênia. Eles ficavam num rack de madeira que eu havia pedido pro Bikoka fazer. Nessa época eu já morava na Rua Vichy, 212.
Pouco tempo depois chegávamos a era dos Microsystems. Eu tinha um Gradiente com controles deslizantes. Mas meu sonho mesmo era o da AIKO. Walkmans eu tive aos montes...principalmente aqueles coloridos que a mãe do Faraó (Rogério, primo da Marina) trazia do Paraguai. Usei muito walkman quando fazia bicos de digitador, trabalhando a noite. Agora a moda é o mp3...eu mesmo tenho um, que encho de músicas da década de oitenta. E também tem as rádios temáticas de internet: pop/rock anos 70/80, funk old school, classic rock... tá tudo lá...basta sintonizar, e se conectar ao eterno.