domingo, 22 de abril de 2007

As solas e as histórias.

“O brasileiro quando sai de conga fica confortável,
Conga é mais macio, conga é mais durável...”

Será que alguém ainda se lembra dessa propaganda? Era um moleque usando um conga azul marinho, fazendo embaixadinhas com uma tampinha de garrafa, sob o fundo musical do Brasileirinho, com a letra acima adaptada. Você nem sabe o que é um conga?! Devo estar ficando velho mesmo!
Nossos calçados têm uma importância fundamental na reconstituição de nossa memória. Tudo começou com os chinelinhos havaianas. Era o principal calçado que minha mãe comprava pra gente (seis filhos!!). E comprava um ou dois números a maior, pois pé de criança cresce mais que os salários. E olha que naquela época havaianas era coisa brega! Mas os cachorros adoravam. O cachorro do vizinho, Shake (era mestiço de pequenez com vira-lata) almoçou uma vez meu 31-32 azul piscina. E como ardiam nas nádegas! Pior mesmo era apanhar de chinelos velhos (aqueles em que se espetavam grampos de cabelo pra evitar que as tiras escapassem). Eu morria de medo de um par calibre 39-40 que meu pai usava.
Usei muito conga para ir à escola. O azul para as aulas e o branco pra educação física (escapei do vermelhinho, pois não fiz o pré-primário). Mas depois de alguns anos fui ficando com aquela bobeira, característica da idade, de impressionar os amigos: pedi pra mãe me comprar um kichute. Já era um pré-adolescente, merecia um kichute! Era muito legal. A turma costumava passar graxa pra garantir o pretinho brilhoso. O problema era o chulé (o único tênis que não dava chulé era o Montreal anti-microbiel!). Mitsu, meu amigo japonês, tinha mais grana. Ele usava bamba monobloco (que tinha esse nome pois a sola era feita numa única peça de borracha). Nessa época pintou meu primeiro sonho de consumo: um tênis da marca Íris, que tinha a representação do pé desenhada por cima. Ainda bem que a mãe não me comprou(!)
Já na adolescência, o campeão dos sonhos de toda a gurizada era o all star. Importado, contrabandeado, e caro. E por isso, o pessoal usava até gastar...e era chique. Nunca vou me esquecer da imagem do Gagá, num sábado à tarde, de banho tomado, calça us-top branca, camisa novinha....e um all star velho (uns dois números a maior) todo estourado no pé. Tava prontinho pra ir a um aniversário. Não mencionei a cor do tênis pois ele já havia perdido! Mas feliz era ele...pois eu tinha que me contentar com o bamba basquete (também conhecido como bamba cabeção, por causa da biqueira laaarga) com o desenho do super-homem no calcanhar.
O all star acabou perdendo um pouco a estrela quando surgiram os sacoleiros do Paraguai. Eles vendiam de tudo: walkmans vermelhos, calças fiorucci, relógios g-shock com 36 musiquinhas. Quase tudo falsificado. As exceções eram os tênis que ficaram conhecidos genericamente por chinesinhos. Meu sonho de consumo passou a ser o tênis chinês fire white (com sola azul e estrelinha de mesma cor plastificada). Nessa época eu já não pedia pra mãe comprar, pois já era um office-boy e tinha meu dinheirinho. Mas não comprei. Preferia me juntar aos amigos Laudinho, Piru e mais alguns, para irmos até o Eldorado na rua Pamplona, comprar o recém-lançado Rainha basquete. Era o que havia de mais parecido com o all star. Mas isto foi antes do Piru começar a dar calotes na loja de calçados na rua Doutor César Castiglioni, ao lado do Bradesco. Ele comprava os tênis parcelados em 5 vezes, pagava a primeira e tchau e bênçãos. Nesse tempo, as financeiras mandavam correspondência também para os que eram arrolados como referência na ficha cadastral da loja. Eu era a referência preferencial do Piru. Tinha coleção de cartinhas de cobrança. Mas depois de um tempo, quando o tênis começava a furar, ele entrava em acordo com a financeira, parcelava o débito com um descontão nos juros....e comprava outro tênis. Se não me engano, anos depois, ele trabalhou nessa mesma loja.
Pois é! Quanto chão cabe embaixo de um sapato! Eu consigo citar um monte de gente da minha meninice e associá-los aos pisantes:

LAUDINHO: tinha um le coq sportif de couro, cano alto, cuja sola não gastava nunca, e como o pé dele não crescia (já nascera com pés de adulto) acabou dando o tênis pra alguém.

SERGIO (Canavial): tinha um tênis de cooper de uma marca canadense chamada Power. Era azul e vermelho. Não tirava do pé. Até que suas unhas grossas e incortáveis rasgaram o bico do tênis.

BICELLI: samello estilo marinheiro, aquele azul marinho com solado branco e cadarços de couro que transpassavam também pelas laterais.

CUGA: um all star todo em lona camuflada...ele adorava usar calça pula-brejo só pra deixar o tênis mais a mostra.

ZICO: os tênis e sapatos que o próprio pai fabricava (afinal ele era conhecido como filho do sapateiro)

MITSU: além do bamba, rainha tênis (aquele com camurça cinza na ponta), rainha futebol de salão, topper basquete (o antigo que tinha o bico arrebitado, parecendo uma canoa, e o desenho de uma bola de basquete desenhada no calcanhar).

GAGÁ: o all star de cor indefinida, em estado de desintegração

OSMAR (Botcha): rainha monte carlo, rainha iate branco (que ele mesmo deixava todo quadriculado, pintando com caneta bic...ele usava o tênis até que seu dedo mindinho do pé esquerdo, teimoso, furasse a lona), canon (aqueles de camurça com solado de crepe)

LIKA (Alessandra): Comander verde, comander marron, comander, comander...

ZOLY: adidas universal basquete (couro branco com listas pretas). Na verdade o tênis era meu. Um clássico da indumentária roqueira, cujo modelo já estava fora de linha. O único que achei era número 42, eu calçava 40. Daí quis vendê-lo para o Zoly. Mas o cara não maculava seu visual roqueiro com roupas novas: “Novo assim eu não uso! Vai usando o tênis alguns meses, jogue bola com ele...quando ele ficar bem zoado eu compro.” Pior que eu não conseguia usar muito pois tinha vergonha do tamanho da lancha. Finalmente resolvemos o negócio: levei o tênis para a rua e começamos a massacrá-lo: pauladas, chutes, arremessos contra a parede. Meia hora depois, o zoly me comprou o tênis. Detalhe: ele calçava 38!!

KIOSHI: adidas de lona branca com solado de poliuretano (amarelava mas não gastava nunca), chinelos com sola feita de borracha de pneu de avião.

PIRU: lembro bastante do Piru ainda moleque. Usava um shortinho verde com listas brancas nas laterais, e sempre descalço. Já na fase roqueira, ele tinha um topper de couro todo branco, cano alto, com um emblema da marca (a letra ‘t’) acima dos calcanhares. Era um clássico também.

A grande conclusão é que nossos calçados nos levam longe. Haja sola pra gastar pelos caminhos que temos pela frente! Haja sola pra nos levar de volta pelos caminhos do passado!

2 comentários:

Anônimo disse...

Não tive a mesma sorte. Calcei vários conguinhas vermelhos na pré-escola. E como ficavam infestados de chulé em poucas semanas!!!! Sobretudo se usados sem meias.

Anônimo disse...

Puxa, estou admirada com a sua capacidade de lembrar do pé alheio. Sei não, não tem aí um quê de fetiche...
Eu usei muito conga e bamba. Mas não me lembro destas sutilezas, destes detalhes todos que você descreve aí. o All Star era mesmo o maioral. Me lembro de encher o saco da minha mãe para comprar. Tive só um, rosa, que usei até furar todinho e ficar irreconhecível.
Agora virou carne de vaca. E se não estou desatualizada demais nos modismos atuais, coisa meio vanguardinha. Até cansa de tanto modelo que tem.

Cris Romano