sábado, 2 de junho de 2007

O Uniforme Azul Marinho.

Os anos da escola são como o vinho... quanto mais o tempo passa, mais especiais eles se tornam. Lembro do primeiro dia de aula. A mãe estava um pouco preocupada, pois eu era muito tímido e dependente. Acabamos por chegar atrasados ao portão da escola Dona Angelina Maffei Vita naquela manhã fria de 1974. No pátio externo adjacente ao imenso salão do refeitório, a molecada de uniforme azul marinho se amontoava em filas, tentando seguir as orientações berradas pelos auxiliares. Eu ostentava um crachá enorme contendo meu nome, a série e o nome da professora (Dona Regina). Não fiquei muito contente com a fila que me arrumaram, pois na ordenação por altura ficara em terceiro na fila de uns trinta guris... e posteriormente fui trocado para o quarto lugar, depois da conferência feita pela Diretora. Nesses anos de governos militares a ordem e a disciplina eram os grandes pilares das escolas municipais. Os uniformes eram impecáveis e obrigatórios (vi algumas vezes colegas serem impedidos de entrar na escola por não estarem devidamente trajados): blusas azul marinho cobrindo a camisa branca (cujo bolso exibia o símbolo da escola), calças de tergal também azul marinho, meias brancas e sapatos pretos. Os que não estivessem em condições de providenciar o uniforme completo, recebiam-no por meio de recursos adquiridos pela Associação de Pais e Mestres. No avançar dos anos, passaram a aceitar variações de calçados (Conga ou Bamba azul marinho, Kichute).

O primeiro dia de aula transcorreu sem problemas para mim, até porque já nessa época eu era apaixonado por loiras, e a Dona Regina, além da cabeleira dourada, era a professora mais bonita da escola. Era um prazer descomunal receber ordens e orientações da gatona. Guardo claramente na lembrança a primeira lição de casa: completar no pequeno caderno de brochura uma seqüência de letras “as” emendadas umas as outras, preenchendo duas folhas. Chorei compulsivamente pela imperfeição dos primeiros “as” da minha vida. A mão ainda não me obedecia direito e o braço começou a doer um pouco na virada para a segunda folha... Ao final da lição, chorei mais um pouco, refiz as letras mais imperfeitas, e ganhei da mãe um copo de Qsuco de uva com bastante açúcar. Seguiam os dias, as lições de casa, as letras e os choros. O refresco de uva é que não seguiu muito...só durou até o “i”. E minha frustração só foi superada quando ganhei o primeiro elogio da professora pela grafia perfeita do “u”.

Como era muito tímido, as amizades na classe só foram surgir lá pelas consoantes (letras “c’ ou “d”). E devido ao gênio bom, herança da mineirice da mãe e da mão pesada do pai, cheguei ao “z’ sem nenhuma briga. Um bom momento pra fazer amizades era no recreio. Formávamos filas imensas e ruidosas em frente ao balcão onde se distribuíam a merenda: sopa, leite de soja, leite com chocolate, Glut (bebida tipo Toddy, mas numa embalagem piramidal), bolachas, bolos (que às vezes serviam de munição pra guerrilhas), cachorros quentes (com salsicha de soja). Nessa época, quase todos os amigos tinham apelidos: Marcelo Bola, Jorge Beiçola, Magalinha, Jadeu, Visconde de Sabugosa (Emílio), Testa de bater bife (eu), Orelhuuudo (eu quando cortava o cabelo), Lancha (eu quando cismavam com o tamanho do meu pé), Cabelo de Bombril (eu quando não cortava o cabelo).

Alguns professores também são inesquecíveis. Na quarta série tínhamos Dona Zilá e seu nariz enorme (diziam que era realmente parente do Juca Chaves), que nos obrigava a responder semanalmente mais de quarenta questões de Geografia. Professor Militino nos fazia ler um livro por mês, e cobrava-nos que cada um contasse um capítulo do mesmo. Watanabe de Matemática, um senhor japonês maluquinho que fazia umas caretas hilárias todas as vezes que algum aluno errava uma equação no quadro negro. Dona Joana (Português da quinta série) fazia chamada aleatória pelo nome na lista de presença para responder questões do caderno de exercícios. Os que não tinham respondido todas as questões rezavam para que a vez deles não chegasse em alguma questão deixada sem resposta. Já nas séries finais surgiram as professoras de formas mais atraentes, juntamente com o despertar de nossos hormônios. A sala toda parava quando a Dona Gláucia cruzava as pernas. E a maravilhosa Dona Zilda sempre vinha de calças jeans, apertadíssimas.

E só havia uma mulher que eu temia mais que a Diretora Dona Dalva: a ‘Loira do Banheiro". Era a história de uma mulher fantasma que perambulava pelos banheiros das escolas. Sempre ouvia conversas sobre as aparições e a aparência dela. Mulher alta, vestindo avental branco, e com algodões tapando os olhos e a boca. Fiquei anos evitando ir ao banheiro da escola sozinho. Segurava a vontade até o final da aula, pois não me animava a convidar algum amiguinho a me acompanhar (pegaria mal). Numa das poucas vezes que fui, movido por uma dor de barriga tremenda, quase morri de medo e de... Estava eu sentadinho e fechado no box, tentando me concentrar num grupo bastante específico de músculos, quando ouvi passos de alguém entrando no banheiro. Pelo vão inferior da porta do box observei assustado que se tratavam de pés de mulher. Caminhou até uma extremidade do banheiro e voltou até a porta do meu box, tentando abri-la. Eu teria gritado de pânico se o ar que me restava no corpo não tivesse preferido uma saída mais rápida e não menos ruidosa. Depois de um Pai Nosso em tempo recorde, abri os olhos e percebi que os pés haviam sumido. Certifiquei-me, então, de que não havia mais ninguém no banheiro, gastei quase todo o Primavera do box, lavei as mãos e saí do recinto num passo apertado, dando de cara com a Maria, aguardando-me na saída:

- Você ta mau, heim menino! – exclamou a servente, emoldurando um sorriso satírico.

Os amigos dos últimos anos também foram especiais. Marcelo Bola sempre tinha assunto sobre a banda Queen e sobre os filmes da Sala Especial (horário das onze da noite na TV Record no qual eram exibidos pornochanchadas). Dulcemar e seu decote maravilhoso. Biguá, um profundo conhecedor de rock em geral. Carla, linda e (l)rouquinha. Alberto e sua compulsividade por leitura (de bula de remédio a Alexandre Dumas). Miriam de Fátima Teodoro, a ruiva que fazia meu coração disparar (mais do que conseguia a Loira do Banheiro). E de muitos deles herdei algo mais do que o patrimônio afetivo. Considero Matilde Mastrangi e Helena Ramos as duas atrizes mais saborosas do Cinema Brasileiro. E ouvi a música Friends will be friends do Queen durante todo o tempo em que escrevi esta crônica. Ao longo de minha adolescência e juventude o Rock se tornara um estilo de vida. Da Miriam de Fátima herdei a atração por mulheres narigudas (antes da plástica minha esposa era o próprio Luciano Huck de saias).

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Recentemente encontrei alguns dos amigos de escola pelo Orkut. Aproveitamos para por os assuntos do passado em dia. E já estamos arquitetando um possível encontro de turma para o fim do ano. Será bom para nos desarmarmos de nossa simulação de adultos. Debaixo da pele, ainda uso um uniforme azul marinho.