quinta-feira, 17 de maio de 2007

Troca-troca e traição.

Por esses dias estive revendo minha biografia sexual e notei que além de tê-la começado tardiamente, possuía poucas páginas na década de 80. As razões para isso são bastante prosaicas.

No final dos anos 70 e inicio dos 80 havia três tipos básicos de iniciação sexual masculina. Uma delas se dava numa brincadeira que em São Paulo se chamava troca-troca. Creio que o nome da brincadeira seja auto-explicativo. Outra modalidade era a Rua Augusta (imagino que todas as grandes cidades têm as suas “Ruas Augustas”. Havia (e ainda há) na parte não-nobre da rua dezenas de casas de massagens, relax for men, que ganhavam nomes carinhosos da molecada como Tia Cris, Tia Olga, etc. Dia de pagamento de Office-boy era fila no Bradescão durante o dia, e fila na Tia Olga à noite. A terceira modalidade era mais comum nas cidades de interior, onde galinhas, cabras e até éguas se tornavam vitimas do verdadeiro sexo animal. O fato de eu não ter participado de nenhuma dessas modalidades explica em parte meu atraso na iniciação sexual. E de certa forma não me sinto inferiorizado, pois há muito garanhão de 40 anos que possui uma ficha corrida gigantesca de Patrícias, Giseles, Danielas... mas que começou com um Juninho, Waleska, Mimosa.

Outra peculiaridade na minha carreira sexual teria sido a maneira de vivencia-la. Vivemos numa época onde as opções sexuais ganharam novas classificações. Além das tradicionais hetero e homossexual, temos agora, bissexual, pansexual, transexual, metrossexual, emocore, etc. Eu faço parte de uma categoria ainda não devidamente catalogada: heterossexual passivo.

Já no tempo de ginásio eu me achava diferente. Era ruim de bola e não gostava de futebol. E isso não é pouca coisa num país onde a cultura futebolística é um fator de agregação social. Lembro-me de preencher uma ficha numa empresa para a vaga de Office-boy Maior. O entrevistador, preocupado com a performance do time da empresa, perguntou-me se eu era bom de bola. Até hoje acho que não fiquei com a vaga porque fui sincero. Na fase de bancário a coisa não era muito diferente. Nas rodinhas masculinas que se formavam no intervalo de quinze minutos do departamento o assunto era sempre futebol. Eu ficava somente ouvindo, sem ter o que opinar. Sabia que todos me achavam estranho pela falta de assunto, e pelo fato de eu não torcer por nenhum time. Não suportando o preconceito, comecei a mentir dizendo que era corintiano, mas era facilmente desmascarado quando me perguntavam sobre o time. Eu até que acertava o nome de alguns jogadores: Sócrates, Zenon, Zé Maria, Serginho, mas não passava muito disso. Daí o questionário avançava sobre o resultado do último jogo, quem marcou os gols...aí a casa caía. E essa alienação futebolística vêm desde meu tempo de guri. Mal terminava o Globo Cor Especial eu trocava de canal para a TV Tupi para assistir ao seriado “Ben, o urso amigo”. Com isso, deixava de assistir ao Globo Esporte.

Outra bizarrice minha era não gostar de carros. Nos anos 80 o carro era para o jovem uma complementação ao seu falo. Todos desejavam os carrões: Maverick V8, Monza, Puma, Gol GTI vermelho, Scort conversível. Eu achava que não precisava de complementação, mas de fato isso dificultava um pouco a identificação com os guris e impossibilitava a relação com as meninas fisicamente mais interessantes. Cena muito comum acontecia nos sábados de manhãs ensolaradas: nas garagens de portas abertas ou nas calçadas adjuntas às respectivas casas, os gurizões lavando seus carros. As portas do carro abertas, os tapetes secando nos muros, as ceras, o capricho, e o toca-fita rolando George Benson no último volume. É claro que juntava a molecada toda em volta. Eu só ficava pelo George Benson. Outra cena bem típica se dava nas filas dos rodízios de pizza do Grupo Sergio, nas filas do cinema, onde se podia observar os rapazes felizes ostentando numa das mãos a mão de uma linda garotinha, na outra, o toca-fita de gaveta preso ao equalizador e ao amplificador Tojo. E eu ali...sem carro, sem namorada...mas pelo menos com noventa centavos para encerrar a noite tomando um sorvete de casquinha do Macdonalds.

Outra coisa que ajudou a esvaziar minha biografia sexual foi o fato de não saber dançar. Diferentemente das mulheres, nenhum homem saí à noite apenas para ir dançar. A dança para eles é meramente parte do ritual de acasalamento, algo para atrair as fêmeas. E funcionava. Mas eu detestava aquele tipo de música, feita exclusivamente para dançar. Gostava da música de ouvir e sentir, cujo ato da dança não era sua finalidade, mas tão-somente uma manifestação ocasional e espontânea de sensibilidade...aquele tipo de música que se dança de olhos fechados. Mas...eu acabava indo a algumas danceterias, para acompanhar meus amigos. Nunca conseguia conhecer alguma garota, mas já voltava pra casa feliz quando tocavam o George Benson.

Heterossexual passivo. O termo passivo vem de não saber/querer/tentar paquerar as garotas (pelo menos com as cantadas tradicionais). Sempre fui muito tímido e consciente de minhas limitações estéticas. Mas mesmo que tivesse a cara-de-pau e a cara linda não conseguia me imaginar passando aquelas cantadas baratas de danceterias e barzinhos. Resignava-me imaginado que alguma garota inteligente, com a cara linda (e de pau), me desse algum sinal, alguma abertura, ou até mesmo alguma cantada. A única cantada que recebi em toda a década de 80 não foi muito agradável. Eu trabalhava de digitador na Prodesp no período da noite. A cada 50 minutos de trabalho, descansávamos 10. Nesse intervalo a turma batia papo, discutia futebol, se cantava. E eu no meu canto ouvindo meu walkmanzinho do Paraguai, sintonzado no programa São Paulo By Nigth. Depois de algumas semanas uma pessoa começou a puxar assunto comigo. Mais algumas semanas ela já me acompanhava em conversas animadas até perto do ponto de ônibus. Numa dessas conversas a pessoa me cantou. Eu desconversei. Noutro dia me assediou com mais ênfase. Daí fui obrigado a envergar um discurso sobre respeito, amizades e limites. Foi constrangedor. Senti-me uma garotinha refutando uma cantada mais abusada. Felizmente não perdemos a amizade. Mas fiquei encanado com o fato dele achar que eu também fosse gay.

Foi a partir disso que passei a perguntar a todas as garotas com quem tive casos e namoricos na década de 90 (curiosamente passei a interessar mais às mulheres a medida em que a calvície avançava) sobre a impressão que elas tinham sobre mim, antes de me conhecerem melhor. Algumas confirmavam que desconfiavam levemente que eu pudesse ser gay. Uma delas até admitiu que me cantara também para testar sua suspeita. Outra, mais espirituosa, respondeu que sempre me achara heterodoxo (o hetero somente já bastaria para mim).

Foi com esse jeitão de heterossexual enrustido que cheguei ao casamento cuja mulher acabei de perder semana passada. Foi no começo da noite de sexta-feira. Resolvi chegar mais cedo a casa. Ao abrir a porta, fui surpreendido com o som de sussurros vindo do quarto. Segui silenciosamente, pé ante pé até a porta entreaberta do quarto que se encontrava na penumbra. Sem que me percebessem pude observar minha esposa desnuda da cintura para cima, acariciando o rosto dele. Ele retribuía com um olhar apaixonado, enquanto ela o despia de sua calça. Passou então a olhar atentamente sua genitália, enquanto ele a tocava no seio. Eis que o pênis daquele que ocupava o meu lugar na cama começa a se erguer, sob o olhar assustado de minha esposa. Foi nesse instante que ela, percebendo a minha presença, gritou-me:

- Amor, rápido! Me arruma uma fralda. O Inácio está quase fazendo xixi.

8 comentários:

Anônimo disse...

Bicho.... você é o porta-voz de minha geração....

Anônimo disse...

Você está comprometido comigo "forever". Quero ler todas, todas ... páro com tudo e delicio as palavras, a excelente estruturação e a carinha do Inácio.
Amei !
RR

Anônimo disse...

Hilário! Não pude deixar de me identificar com algumas passagens, mas no contexto geral eu acho que eu tive mais sorte que tu!
Um abraço!

Anônimo disse...

Suas cronicas, como disse anteriormente, me trazem de volta a minha vida em Sao Paulo, com muita emocao. Nessa de hoje por exemplo, como dei risada ! Sua narracao sobre Augusta e animais me fizeram esquecer que tenho um marido dormindo ao meu lado, pois gargalhadas gostosas nao me faltavam. Mas o desfecho, chave de ouro Giba ! Que gracinha e que "meda" ! Sei que teremos que trocar as fraldas debaixo de guarda-chuvas...
Mas enfim, mais uma vez, mergulhei no tempo me deliciando com suas palavras e com a maneira maravilhosa com a qual brinca com elas. So nao leio mais agora pois ja esta bem tarde aqui, mas voltarei assim que puder. Ah, e parabens pelo lindo Inacio ! Aquela fotinho dele esta muito linda !
Um beijao meu amigo !
Deinha.

Unknown disse...

É Gil.Eis que surge uma nova faceta . Tens uma veia comica, voltada p/ cinismo heim!!!!!
Meu ,adorei mais esta cronica. Tô começando a ficar repetitiva rsrsrs.Mas fazer o que ! Sou sua fã!!!
Beijão

Unknown disse...

Gilberto, impossível não se identificar com o seu texto. Que frio na barriga este último parágrafo. Já estava com cara de "não acredito", rs...

abraços e parabéns!

Unknown disse...

BEtão, não sei o que falar, vc é phoda...
Mas ainda sinto falta de algo marcante da nossa época....rsrsrsrs...A BANDA...rsrsrs Será que vc conseguiria fazer algo sobre ????

Anônimo disse...

"Orra, meu! Tu é bão mermo!
Achei uma delícia seus textos. Coloquei seu blog em minha lista de prediletos. Vejo que temos muito em comum (no bom sentido, isto não é uma cantada), nossa salvação está mesmo em escrever.

Abraços